Título: Interesses eleitorais na disputa pelo Orçamento
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2006, Opinião, p. A8

A carga tributária seguiu, ao que tudo indica, seu ritmo ascendente no ano passado. Especialistas como o ex-secretário de Finanças da prefeitura paulistana, Amir Khair, estimam que a arrecadação dos três níveis de governo tenha subido 1,54 ponto percentual do PIB em 2005. É uma trajetória nefasta, na qual se irmanam governos tucanos e o petista. De 1994 para cá, houve um ininterrupto choque fiscal, com a receita de tributos saltando de cerca de 24% para 37,45% do PIB. Os pacotes de redução de impostos pouco fizeram para aliviar a carga global. E, por mais que haja uma grita contra o aperto que levou o superávit primário a 4,8% do PIB em 2005, os gastos correntes e a dívida bruta do setor público aumentaram. Os investimentos públicos foram as principais vítimas de uma austeridade que não é tão vigorosa quanto a que o governo alardeia. Os gastos correntes vão, ao que tudo indica, dar um salto neste ano eleitoral. O governo Lula já deixou claro que não pretende mais economizar um centavo além dos 4,25% do PIB e providenciou cerca de R$ 13 bilhões de restos a pagar para se movimentar no primeiro trimestre, enquanto o Congresso não vota o Orçamento, que lhe dará mais R$ 15 bilhões em investimentos. A toque de caixa, nos últimos dias de 2005, foram liberados investimentos de R$ 5,1 bilhões. Um terço do valor estipulado para o ano tornou-se disponível em menos de um mês. Assim como o forte aperto feito até outubro, sem prioridades, foi nocivo para o país, a liberação atabalhoada de recursos traz quase a certeza do desperdício e da falta de foco no uso das verbas. O governo poderá jogar pela janela parte dos sacrifícios feitos até agora se se deixar cegar pela ambição eleitoral. O Orçamento para 2006, empacado no Congresso - alvo de barganhas da base aliada e da obstrução da oposição -, não autoriza nenhum otimismo. Ao que tudo indica, o presidente pretende, no momento em que se lança à reeleição, estabelecer aumento generoso do salário mínimo - de R$ 300 para R$ 340 ou R$ 350. Não há dúvidas de que aumentos reais para o mínimo impulsionam a economia e podem ajudar a reduzir as desigualdades, mas reajustes fortes são claramente desaconselháveis, ainda mais quando as contas da Previdência estão em frangalhos. O déficit previdenciário voltou a crescer com velocidade. O rombo aumentará R$ 7 bilhões acima do previsto em 2006. Um mínimo de R$ 350 elevará esse déficit em mais R$ 3,4 bilhões (de maio a dezembro de 2006). No total, ele pularia a R$ 50 bilhões - salto de 31,5% em apenas um ano. A conta pode ser ainda maior. O governo está inclinado a recompor os salários do funcionalismo público e cogita um reajuste de 29% para os servidores civis e 10% para os militares. Depois de nada fazer para reestruturar as carreiras públicas e de voltar a fazer contratações em massa, o Executivo acena com o retorno dos aumentos lineares, que tinham sido abandonados. Para completar o Orçamento, marcado por intenções eleitorais, o governo quer elevar em mais de 50% as verbas do Bolsa Família, de R$ 5,2 bilhões para R$ 8,3 bilhões, realocando gastos de outros programas sociais fracassados ou desprezados para concentrar-se no atendimento de 11 milhões de famílias. Não há nada de errado em perseguir a recomposição do mínimo, do salário do funcionalismo e a expansão do Bolsa Família desde que eles façam parte de um plano de governo coerente e sistemático. Não é o caso. O atual governo jogou corretamente na retranca nos dois primeiros pontos até ontem e agora sinaliza que fará exatamente o contrário do que fez . No caso do Bolsa Família, o programa demorou a deslanchar e agora procura-se recuperar o tempo perdido. Em resumo, o ajuste fiscal praticado até agora foi em grande parte de baixa qualidade, muito escorado no aumento da arrecadação e, mesmo assim, corre riscos. Além disso, tem sido solapado por uma absurda carga de juros, a mais alta do mundo. Não foi à toa que a proposta de um ajuste fiscal adicional de curto prazo foi bombardeada pelo núcleo político do governo, que está de olho nas eleições. É uma visão míope. Mirando objetivos certos, com doses corretas, é possível começar a reduzir a carga de impostos sobre toda a sociedade e estimular o crescimento, o que também cria empregos e dividendos eleitorais. Um pequeno aperto nas contas permitiria avançar no corte nos juros. O caminho indicado pelo Orçamento, infelizmente, é outro - ele eleva a dívida pública e exige essa carga tributária estapafúrdia.