Título: Supremo proíbe compensar ICMS em parcela única
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Brasil, p. A3

Tributação Decisão beneficia Estados, que terão um reforço de caixa de, no mínimo, R$ 4,4 bilhões

Em meio a uma disputa com o governo federal pela liberação de verbas para compensar perdas de arrecadação de Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), os governos estaduais ganharam um importante reforço de caixa do Supremo Tribunal Federal (STF). A entidade decidiu, no final de setembro, que as empresas não podem compensar créditos de ICMS em parcela única na compra de bens de capital incorporados ao ativo permanente. A decisão significa um reforço de caixa de, no mínimo, R$ 4,4 bilhões anuais para os cofres dos governos estaduais. O valor é mais da metade do que os secretários estaduais de Fazenda pediram ao governo federal na semana passada para compensar as perdas de ICMS com a desoneração do imposto sobre as exportações desses bens: R$ 9,1 bilhões. E deve entrar no caixa dos estados na medida em que as liminares obtidas pelas empresas para compensar créditos em parcela única forem cassadas na 1ª e na 2ª instância da Justiça. O STF decidiu que as empresas têm que seguir o regime de 48 parcelas mensais para compensar créditos de ICMS na compra de bens incorporados ao ativo permanente. O parcelamento foi instituído pela Lei Complementar nº 102. Essa lei foi sancionada, em 11 de junho de 2000, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como forma de compensar os governos estaduais por perdas de arrecadação com a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996), que isentou as exportações do ICMS. O prejuízo da Lei Complementar 102 para as empresas era claro. Em vez de compensarem os créditos imediatamente, elas tinham que esperar 48 meses. As perdas financeiras eram tamanhas que milhares de empresas recorreram à Justiça e conseguiram liminares para se livrar do parcelamento dos créditos. O governo federal estimou em R$ 4,4 bilhões os ganhos dos Estados com a nova sistemática de compensação parcelada de créditos de ICMS. Esse valor, no entanto, está defasado, pois foi calculado em março de 2000 para ser enviado ao Congresso na "exposição de motivos" para a aprovação da lei. O valor, hoje, deve ser muito maior, segundo tributaristas, não só pela defasagem do cálculo no tempo. "Como muitas empresas conseguiram liminares contra o parcelamento dos créditos de ICMS, esses R$ 4,4 bilhões não devem estar integralizados no caixa dos governos estaduais", afirmou o advogado Júlio de Oliveira do escritório Machado e Associados. Agora, a tendência é de que essas liminares sejam cassadas, pois os juízes da 1ª e da 2ª instância da Justiça deverão seguir a decisão do STF. Isso fará com que muitos estados obtenham nos próximos meses um ganho que o governo federal queria lhes dar há quatro anos. E o dinheiro entrará, finalmente, de forma integral no cofre dos governos estaduais. Já as empresas terão de estornar os créditos obtidos por força de liminares contra a Lei Complementar 102. "Essa não é uma decisão isolada, pois atinge significativamente as empresas", lamentou Oliveira. A decisão do STF foi tomada numa ação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) por 10 votos a 1. A CNI alegou ao Supremo que o parcelamento implicou em confisco, pois retirou benefícios fiscais de empresas que adquirem bens e mercadorias. Os ministros do STF concluíram que o novo regime não feriu a Constituição de 1988. "Entendemos que não houve inconstitucionalidade porque o benefício foi concedido por uma lei complementar antecedente (a Lei Kandir). Então, uma lei complementar posterior (a 102) pode alterá-lo", explicou o ministro Carlos Velloso. O ministro Marco Aurélio Mello foi o único que votou favoravelmente às empresas. Ele criticou o fato de a Lei Complementar 102 ter instituído um regime no qual os créditos de ICMS só puderam ser aproveitados "em doses homeopáticas" pelas empresas. Para o advogado Luiz Paulo Romano, do escritório Pinheiro Neto, o contribuinte foi amplamente prejudicado com a decisão. Ele explicou que o tribunal admitiu uma limitação ao princípio constitucional da não-cumulatividade dos impostos. Por esse princípio, toda a entrada de mercadoria deveria gerar um crédito, explicou o advogado. "O STF foi contrário a esse entendimento", resumiu Romano. "O tribunal permitiu que a lei complementar condicionasse o aproveitamento de créditos a determinadas situações", lamentou o advogado. As empresas que compram máquinas e as que consomem energia elétrica para produzir (principalmente as do setor de alumínio) estão entre as mais prejudicadas com a decisão. São esses os setores que mais adquirem bens de capital para incorporação no ativo permanente da companhia. Por outro lado, os governos de Estados mais industrializados, como São Paulo e Minas Gerais, são os maiores beneficiados. São Paulo ficaria com R$ 1,3 bilhão dos R$ 4,4 bilhões previstos com a nova sistemática de parcelamento do ICMS. Minas vem em segundo lugar, com R$ 509 milhões anuais. Apesar de decidir contra as empresas, os ministros do STF ressaltaram que o parcelamento do ICMS só entrou em vigor a partir de janeiro de 2001, o que deve dar um pequeno fôlego às empresas no estorno dos créditos. O governo queria que o novo regime passasse a vigorar a partir da data da sanção da Lei Complementar 102: 11 de junho de 2000. Mas, os ministros concluíram que a Constituição proíbe que a elevação de tributos vigore no mesmo ano em que a lei foi aprovada (2000).