Título: Câmbio deve limitar o aumento da renda das lavouras em 2006
Autor: Fernando Lopes
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2006, Agronegócios, p. B9

Cenários Preços agrícolas, em contrapartida, tendem a exercer pouca pressão sobre a inflação

Ainda que as perspectivas sinalizem que os agronegócios colherão em 2006 resultados melhores que no ano passado no país, as projeções para a receita bruta das principais lavouras brasileiras ("da porteira para dentro") indicam que as feridas abertas em alguns segmentos pela crise de 2005 dificilmente cicatrizarão. Segundo o último levantamento de José Garcia Gasques, coordenador de planejamento estratégico do Ministério da Agricultura, a renda agrícola dos 20 principais cultivos nacionais deverá somar R$ 100,913 bilhões, apenas 2,8% mais que no exercício passado (R$ 98,203 bilhões) e longe do recorde de 2003 (R$ 114,538 bilhões). Levando-se em conta as diferenças metodológicas, as estimativas da MSConsult vão na mesma direção: receita de R$ 106,9 bilhões este ano, ante R$ 106,7 bilhões em 2005 e R$ 120,7 bilhões no ano anterior. Nos dois casos são esperados pequenas correções para cima em virtude da valorização de commodities como a soja no exterior em dezembro. Mas, segundo especialistas, nada capaz de limpar o horizonte. "Dependendo do câmbio, 2006 pode até ser um pouco melhor, mas ainda será muito difícil", diz Fernando Homem de Melo, professor titular da FEA/USP. Ele lembra que a crise que ganhou corpo na colheita da safra 2004/05 já provocou ajustes - como a redução da área plantada de soja e algodão em 2005/06, além do menor uso de insumos em diversas culturas - e vislumbra melhora das cotações internacionais de soja, milho, trigo, algodão, açúcar e suco de laranja; mas acredita, porém, que a combinação doméstica de juros elevados e real apreciado em relação ao dólar limitará qualquer retomada significativa. Em balanço realizado no fim de dezembro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) informou que, apesar de alguns sinais positivos, "o principal indicador que realmente reflete os problemas de renda é a redução da área plantada". A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê para 2005/06 uma área plantada de grãos de até 47,050 milhões de hectares, 3,7% menos que na temporada anterior (48,878 milhões). Como houve quebra em 2004/05 por conta da estiagem no Sul, a colheita no novo ciclo está projetada em até 124,881 milhões de toneladas, 10% mais. Todas as estimativas sinalizam que a principal fonte de pressão sobre os resultados dos agronegócios em 2006 continuará sendo a soja, produto que mais acusou os efeitos da crise do ano passado. Conforme a Conab, a área plantada com o grão em 2005/06 chegou a até 22,138 milhões de hectares, 5% menos que em 2004/05. A produção está prevista pelo órgão em até 58,530 milhões de toneladas, 14,6% mais que no problemático ciclo anterior (51,090 milhões), mas a maior parte dos analistas crê em no máximo 55 milhões em razão dos reflexos do menor uso de tecnologia e do cenário de risco de nova quebra climática no Sul. Em virtude sobretudo da expectativa de alta das cotações internacionais, o Ministério da Agricultura prevê que a renda dos sojicultores brasileiros alcançará R$ 28,648 bilhões em 2006, 10,9% mais que em 2005. Já a MSConsult, que não acredita em valorização significativa de preços em virtude dos elevados estoques globais do grão, trabalha com receita de R$ 25,1 bilhões este ano, queda de 7,4%. "Salvo um acidente climático, a soja tende a 'andar de lado' em 2006, o que é um fator de preocupação para credores e fornecedores de insumos", diz Fabio Silveira, da MSConsult. Para Nelson Batista Martin, do Instituto de Economia Agrícola (IEA) - vinculado à Secretaria de Agricultura de São Paulo -, os grãos em geral terão mais um ano de problemas de renda e, consequentemente, de mais pressão por renegociação de dívidas. Por causa dos grãos, a CNA está pessimista em relação à evolução do PIB dos agronegócios neste ano, depois de uma queda estimada em 3,4% em 2005, para R$ 515,92 bilhões. Mas uma nova retração poderá ser evitada pelas performances dos mesmos produtos que evitaram que o tombo fosse maior no ano passado: cana, carnes, laranja, café e madeira. Para as três primeiras, entretanto, Gasques, do ministério, prevê pequenas quedas de renda em 2006, levando em conta o fator câmbio. Apesar do câmbio e das incertezas que ainda cercam os grãos (clima nas Américas do Sul e do Norte e seus efeitos sobre estoques e preços internacionais), as exportações do agronegócio tendem a manter o ritmo neste ano, conforme a maior parte das estimativas. Em 2005, os embarques somaram cerca de US$ 42 bilhões e deixaram um superávit da ordem de US$ 37 bilhões. Para a CNA, que não acredita em alta de preços das commodities, os números serão mantidos. No caso específico das carnes bovina e suína, outro obstáculo além do câmbio terá de ser transposto: por causa da crise deflagrada pela volta da febre aftosa no país, espera-se um primeiro trimestre difícil para as exportações em razão das barreiras ainda existentes em dezenas de importadores. No decorrer do ano, as entidades que representam os segmentos (Abiec e Abipecs, respectivamente), esperam águas mais tranqüilas e avanço de embarques. Os fatores da equação que tende a trazer como produto um ano um pouco melhor - mas nem tanto - para o campo em 2006 sugerem, finalmente, pouca pressão dos preços agrícolas sobre a inflação. "Depois de quatro anos de âncora verde no governo de Fernando Henrique Cardoso [1º mandato, de 1994 ao início de 1999], 2005 foi o primeiro ano de âncora cambial e verde do governo Lula. Em 2006 a pressão não será tão pequena, até porque o dólar não deve repetir a trajetória de baixa do ano passado, mas também não será grande", diz Homem de Melo, da FEA/USP. Em São Paulo, o índice de preços recebidos (IPR) pelos produtores agropecuários, pesquisado pelo IEA, encerrou 2005 com variação positiva de 7,39%, acima de indicadores inflacionários como IGP-M (1,21%) e IPC-Fipe (4,32%, segundo estimativa do IEA). "A pressão será maior, mas em outro contexto. Açúcar e laranja, além dos produtos voltados ao mercado interno - onde há recuperação do poder aquisitivo -, tendem a ter maior peso", observa Nelson Martin, do IEA.