Título: UE admite ampliar corte de tarifas de bens "sensíveis"
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2005, Brasil, p. A4

Relações Externas Alguns produtos também poderiam ter cota maior

O comissário europeu de comércio, Peter Mandelson, desembarcou ontem, em Hong Kong, com sinais ao Brasil e outros parceiros de que poderá atender a "preocupações pontuais" para melhorar o acesso de certos produtos agrícolas ao mercado europeu. A UE aceitaria combinar maior corte nas tarifas de importação e ampliação de cotas para alguns produtos que serão designados como sensíveis por Bruxelas, mas não todos nessa categoria. Mandelson insistiu que não aceita concessões em todos os produtos, os chamados "cortes horizontais", porque chegou ao "limite" do mandato como negociador. Amanhã, começa oficialmente a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) que tentará evitar o colapso da atual rodada de negociações de liberalização comercial, a Rodada Doha. Parece claro, porém, que o aceno europeu é insuficiente para desbloquear a discussão sobre agricultura, e, com isso, o resto da rodada a se julgar pelo humor das delegações recém-chegadas aos hotéis situados em imensos edifícios, que, com as dezenas de passarelas e viadutos da cidade, dão aspecto futurista a Hong Kong. Fontes européias acreditam que o comissário expôs a idéia ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, num encontro ontem à noite, no elegante hotel Marriott. Segundo as mesmas fontes, Mandelson não mencionou nenhum produto como exemplo da flexibilidade no tratamento de produtos "sensíveis", até porque quer ver a reação dos países. Mais cotas por produto daria mais poderes aos europeus, já que, na discussão bilateral, poderiam dar maior acesso a um parceiro e não a outro, por não existir uma regra geral de tratamento dos "sensíveis". Traria o risco de dividir os países exportadores, em proveito de Bruxelas. A sinalização de Mandelson dificilmente atende às demandas brasileiras para seus principais produtos de exportação. Após o encontro com Mandelson, Amorim, sem citar cotas, cobrou avanços na liberação efetiva do mercado agrícola. Lembrou que foi firmado o compromisso, por exemplo, de fixar data para extinguir todos os subsídios agrícolas para exportação, e que a Europa resiste a endossar a data de 2010, sugerida pela OMC. Deixar marcada a data do fim dos subsídios à exportação seria um sinal de boa vontade européia e um bom avanço na reunião de Hong Kong, defende Amorim. Ele propôs um prazo até 1º de março para que outros países sugerissem formas de atender ao que os europeus chamam de "paralelismo": propostas para acabar com mecanismos que têm o mesmo efeito dos subsídios à exportação, como alguns subsídios aos produtores locais nos Estados Unidos, e o monopólio de estatais no comércio exterior, no Canadá e Austrália. "Ter uma data ajudaria", disse o ministro, ao concordar com a reivindicação européia de ajustes no apoio a exportadores também dos Estados Unidos, e países como Austrália. Para o ministro brasileiro, o encontro de Hong Kong não será um fracasso se permitir alguns passos na direção do objetivo original da Rodada Doha, que é promover, no setor agrícola, uma derrubada de barreiras e extinção de medidas que distorcem o comércio, medidas já alcançadas em grande parte no setor de produtos industriais. "A barganha central da rodada não será fechada em Hong Kong, mas eu sabia disso há uma semana, há um mês", comentou Amorim. Ele acredita que um acordo satisfatório só será possível após novas instruções aos negociadores, por parte dos líderes políticos nacionais; por isso, lembrou, o governo brasileiro tem sugerido uma reunião de chefes de Estado no início de 2006. Para Amorim, alguns dos resultados desejáveis da reunião de Hong Kong, por serem muito técnicos, serão de difícil compreensão pela opinião pública. Ele acha possível, por exemplo, avançar, nesta semana, em um acordo sobre pelo menos um ponto na fórmula para abertura dos mercados para produtos agrícolas. Os países já concordaram em reduzir tarifas de importação, e decidiram classificar essas tarifas em quatro "bandas", cada uma com um percentual de redução diferente (quanto mais alta a tarifa, maior o percentual de corte). Não há acordo, porém, sobre o valor dos cortes, nem sobre quais serão as bandas ("limiares" das bandas, segundo os técnicos), e nem como tratar dos "produtos sensíveis", para os quais os países desenvolvidos pedem tratamento especial. "Se decidirmos, pelo menos, os limiares das bandas, será menos um problema a lidar adiante", sugere o ministro. Com relação a produtos sensíveis, o Brasil tem demandas claras na União Européia. Hoje, a tarifa média na UE para a importação de carne bovina é de 152%. Até o sinal dado ontem por Mandelson, o bloco admitia reduzir essa alíquota para 121,5%, mas o Brasil pede que caia para 72%. A UE oferecia cota adicional de 33 mil toneladas, antes do sinal dado ontem por Mandelson, mas o Brasil quer 450 mil toneladas. Para a carne de frango, a tarifa média é de 36% na União Européia, e o Brasil pede 21,4%. Quer cota de 378 mil toneladas mas Bruxelas só oferecia 40 mil toneladas. A diferença entre as propostas é menor em relação à cota para o açúcar. A tarifa na União Européia atualmente é de 118%. O Brasil pede que ela seja reduzida para 56,8%, e que a cota seja de 870 mil toneladas. Até recentemente, os europeus só aceitavam baixar a tarifa para 95,6% e dar cota de 271 mil toneladas.