Título: Combater dumping chinês será mais difícil
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Brasil, p. A5

Comércio exterior Brasil agora terá de provar distorções de preço com base em dados verificáveis do exportador

A decisão do governo Luiz Inácio Lula da Silva de reconhecer a China como economia de mercado deixa a indústria brasileira mais exposta a práticas desleais por parte de Pequim com suas exportações baratas. Mas esse perigo poderá ser anulado, ou bastante atenuado, se o Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (Mdic), seguir o enfoque de outros países que também já conferiram o mesmo status à China. Desde que a China entrou na Organização Mundial de Comércio (OMC), em 2001, todos os outros países-membros passaram a ser obrigados a aplicar as regras normais do Acordo de Antidumping no seu comércio com Pequim. O que o governo Lula fez, na semana passada, foi abrir mão unilateralmente do direito de usar a única exceção provisória sobre antidumping contida no acordo da China para entrar na OMC. Por essa exceção, o Brasil, como os outros países, podia recorrer a uma metodologia alternativa e provar com mais facilidade que uma empresa chinesa praticava dumping (exportava um produto a preço menor do que cobra em seu próprio mercado, causando prejuízo à indústria local). Para determinar o ´´valor normal´´ do produto chinês, o Brasil podia usar a formação de preços de um terceiro país, por considerar que, na China, esse preço é distorcido por causa da intervenção estatal. Agora, ao reconhecer a China como economia de mercado, o Brasil terá de fazer investigação antidumping integralmente nas mesmas bases que faz para outros países. Terá de levar em conta informações verificáveis do exportador mostrando que seu preço e custo são reais e não distorcidos pela intervenção estatal. Na prática, será uma "questão de prova". E como é reconhecido que os chineses têm dificuldade em fornecer essas informações, muito vai depender da capacidade futura do Decom para combater preços artificialmente baixos dos chineses. O Decom poderá inspirar-se na experiência da Nova Zelândia, um dos principais países que já deram o mesmo status à China. A legislação antidumping neo-zelandesa estabelece que, se a autoridade investigadora não estiver satisfeita com as informações que recebeu do exportador chinês, por não terem sido suficientes ou adequadas, pode então determinar o valor normal do produto com base na "melhor informação disponível". Para o Brasil, adotar essa medida significa voltar à prática antiga. Se Pequim considerar que está sendo tratado injustamente, pode recorrer à OMC. Para adotar o modelo da Nova Zelândia, bastará à Secretaria de Comércio Exterior (Secex) baixar uma circular, como fez, por exemplo, quando o Brasil reconheceu a Rússia como economia de mercado. Naquele caso, porém, a situação era diferente, porque Moscou ainda não é membro da OMC. A Austrália não conferiu o status desejado pela China, mas concordou em suspender o direito de usar provisões transitórias sobre antidumping contidas no protocolo de entrada da China na OMC. Até agora, vários dos países que reconheceram a China como economia de mercado não tiveram dificuldades, porque suas legislações domésticas têm margem suficiente de manobra. Além disso, o próprio Acordo de Antidumping da OMC dá margem a interpretação suficientemente flexível para os países sobretaxarem importações ditas desleais. Mas o Brasil está numa situação delicada. Quer endurecer esse acordo da OMC para evitar abusos, por exemplo, dos EUA, contra exportações brasileiras. Ao mesmo tempo, perde espaço para conter crescentes exportações chinesas que ameaçarem sua indústria.