Título: Verticalização avança no setor siderúrgico
Autor: Patrícia Nakamura
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2006, Empresas &, p. B6

Matérias-primas Escassez e aumento de preços levam fabricantes de aço a buscar fontes próprias de suprimentos

Recentemente, a gigante Mittal Steel não pestanejou em desembolsar US$ 4,8 bilhões num leilão pela ucraniana Kryvorizhstal. Além de marcar mais uma posição no mercado do Leste europeu, com uma usina apta a fazer 7,7 milhões de toneladas de aço bruto por ano, chamou a atenção da Mittal outros ativos preciosos: duas jazidas de minério de ferro que, juntas, produziram 17,1 milhões de toneladas no ano passado e têm potencial para crescer ainda mais. A aquisição surpreendeu pelo preço salgado (US$ 1 bilhão a mais que o previsto por analistas) e por mostrar a estratégia das siderúrgicas para garantir boa parte do suprimento de suas matérias-primas, principalmente minério de ferro e carvão. Essa verticalização serve como uma espécie de poupança em momentos de escassez dos insumos ou quando os preços disparam no mercado internacional, como ocorreu em 2005. Apenas no ano passado, os contratos de minério de ferro tiveram reajuste mínimo de 71,5% e o carvão, de 120%. Já em 2006, é esperado um novo aumento, entre 5% a 20%. "As siderúrgicas que contam com bom suprimento de matérias-primas podem oferecer preços mais competitivos. Por isso, a disputa por esses ativos se tornou mais acirrada e cara", afirmou ao Valor Ronaldo Valiño, líder de mineração da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC). A Mittal largou na frente e atualmente é a empresa com maior índice de integração. Já produz o equivalente a 43% de suas necessidades para alimentar seus altos-fornos de aço (ou 20 milhões de toneladas), enquanto as demais maiores siderúrgicas mundiais não ultrapassam os modestos 12%. Em carvão, sua posição é ainda mais cômoda: detém 52% de suas necessidades, contra apenas 1% das concorrentes "top" - Arcelor, Nippon Steel, JFE, Posco, Baosteel, Corus, US Steel e ThyssenKrupp. A companhia, comandada pelo indiano Lakshmi N. Mittal, tem planos para, nos próximos dois anos, agregar mais 30,5 milhões de toneladas de minério em jazidas próprias em fase de expansão espalhadas na Bósnia, Ucrânia, México, Libéria e Casaquistão. O aumento de preços do minério de ferro e do carvão no ano passado assustou o setor siderúrgico, que partiu em busca de maior concentração, via aquisições e fusões. A idéia é formar grupos fortes que possam confrontar Vale do Rio Doce, BHP Billiton e Rio Tinto - juntas, as três dominam 70% do comércio mundial de minério de ferro. Rio Tinto, BHP Billiton e Anglo American são grandes fornecedores de carvão mineral. A tendência da verticalização também pode ser notada ao observar o mapa-múndi dos novos projetos de aço. A sul-coreana Posco anunciou em junho último a construção de um complexo siderúrgico integrado em Orissa (Índia), com investimentos de US$ 12 bilhões. Para atrair a espantosa cifra, o governo indiano garantiu à Posco licença de exploração de minério de ferro por 30 anos, o que representará 600 milhões de toneladas para suprir seus altos-fornos. A Mittal também estuda novas frentes de produção da Índia. ThyssenKrupp e Arcelor travam há mais de um mês uma disputa acirrada pela canadense Dofasco. Além de adicionar o mercado norte-americano de aços para o setor automotivo, a Dofasco tornou-se atrativa por ser dona da QCM, mineradora de ferro que supre suas necessidades e ainda fica com sobras para vender no mercado europeu. Guy Dollé, principal executivo da Arcelor, disse recentemente em visita ao Brasil que esse fato não foi primordial para o interesse do grupo europeu. "Isso faz sentido em países de difícil logística de suprimento, como Ucrânia, Rússia e Índia, muito dependentes de fornecedores locais", disse. "O que gostaríamos é que houvesse maior competição entre os fornecedores de minério de ferro", acrescentou. Empresas que não possuem jazidas correm atrás de sócios na mineração para suprir boa parte de suas necessidades. O Brasil foi eleito um dos alvos por abrigar reservas abundantes e de excelente qualidade. A alemã Thyssen, a sul-coreana DongKuk, a chinesa Baosteel e a européia Arcelor, entre outras, bateram à porta da Vale para desenvolver projetos conjuntos no Brasil. Até agora, apenas dois, com DongKuk, no Ceará, e Thyssen, no Rio de Janeiro, devem ser efetivados. Outra saída é fazer acordos de suprimento cada vez mais longos com as grandes mineradoras. "Elas têm poder de barganha para negociar melhores condições em seus contratos", diz Valiño, da PwC. No Brasil, há o caso clássico, o da Cia. Siderúrgica Nacional (CSN), dona de 100% de seu suprimento de minério de ferro, mas dependente de importações de carvão e coque. O apetite por ferro ficou tão aguçado desde 2003, que a CSN prepara sua mina, Casa de Pedra, para ofertar 30 milhões de toneladas no mercado mundial. A Gerdau também não perdeu tempo: há dois anos comprou uma reserva de ferro em Minas, que terá três fontes de produção (Miguel Burnier, Várzea do Lopes e Gongo Soco). O grupo quer garantir pelo menos 50% de suas necessidades até 2008. "São reservas estratégicas, mas continuaremos comprando minério de nossos fornecedores", disse Frederico Gerdau Johannpeter, vice-presidente sênior do grupo, em apresentação a analistas. Atualmente, a Gerdau compra 4,5 milhões de toneladas por ano (de Vale, MBR, CSN e de pequenos mineradores). (Colaborou Ivo Ribeiro, de São Paulo).