Título: Estorno proporcional de créditos de ICMS
Autor: Eduardo Jacobson Neto
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"O STF prescreveu existir operação parcialmente isenta e, ao mesmo tempo, parcialmente tributada"

Decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária, ser constitucional norma que prescreva a necessidade dos contribuintes estornarem créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), quando a respectiva operação de saída for agraciada com benefício de redução de base de cálculo. Neste caso, o estorno dos créditos de ICMS deveria se dar proporcionalmente à redução da base de cálculo. Esta exegese foi firmada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE n.º 174.478/SP, onde se analisava a constitucionalidade da legislação do Estado de São Paulo, na parte em que prescrevia a necessidade de estorno proporcional de créditos de ICMS quando a respectiva operação de saída for beneficiada com redução de base de cálculo. Neste precedente, como anteriormente mencionado, decidiu o STF ser constitucional a legislação paulista. Decidiram nesse sentido os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim. O voto divergente foi proferido pelo ministro Marco Aurélio. Sucede que a Constituição, em seu artigo 155, §2º, inciso I, prescreve a necessidade do ICMS ser "não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal". Mais adiante enuncia, em seu artigo 155, inciso II, alínea "b", que a isenção e não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, acarretarão "a anulação do crédito relativo às operações anteriores". De logo se observa que o ponto escolhido pelo legislador constituinte originário como relevante para garantir, aos contribuintes, o direito de manter em sua escrita fiscal seus créditos de ICMS é que as "operações posteriores" não sejam isentas ou não tributadas. Em outras palavras, a redução do critério quantitativo e, mais especificamente, da base de cálculo da norma instituidora deste imposto é, em tudo e por tudo, irrelevante para fins de determinar-se o direito à manutenção dos créditos de ICMS pelo contribuinte. Não fosse este fato, de fácil constatação, vê-se logo que o STF, sem o saber, criou verdadeiro minotauro-tributário, pois prescreveu existir operação que é, simultaneamente, isenta e tributada. Em outras palavras, seria ela "parcialmente isenta" e, ao mesmo tempo, "parcialmente tributada". O texto constitucional, como visto, não permite a qualificação das "isenções" em parciais e totais, assim como não permite a qualificação da "não-incidência" em total ou parcial. Prova disso é a redação de seu artigo 150, §6º, que, expressa e incontestavelmente, diferencia as figuras da isenção e redução de base de cálculo, não mencionando, em nenhum momento, a figura mitológica da isenção parcial. Diferenciação esta perpetrada também pelo artigo 1º, caput e parágrafo único, inciso I, da Lei Complementar n.º 24, de janeiro de.1975, ao prescrever a necessidade de prévia celebração de convênio interestadual para fins de concessão e revogação de isenções, bem como de reduções de base de cálculo. Não há vedação, autorização ou mesmo menção ao instituto da isenção parcial, e sim manifesta diferenciação entre os institutos da isenção e redução de base de cálculo.

A Constituição não permite a qualificação das isenções em parciais e totais, e a não-incidência em total ou parcial.

Indo mais além, o próprio Regulamento de ICMS/00 do Estado de São Paulo é expresso ao enumerar, em seu Anexo I, as operações isentas para, em seu Anexo II, catalogar as operações sujeitas à reduções de base de cálculo. Neste ponto vale um questionamento: se reduções de base de cálculo são isenções parciais, onde deveriam tais operações ser enquadradas: no Anexo I ou no Anexo II? Estes são pequenos exemplos pinçados de nosso sistema de direito positivo que demonstram, às escancaras, a contradição entre o prescrito pela Constituição Federal, Lei Complementar nº 24/75 e RICMS/SP e a exegese defendida pelo fisco paulista, acolhida neste precedente pelo Supremo Tribunal Federal. Contudo, vale frisar que o mesmo Supremo Tribunal Federal já decidiu de forma diferente, ao apreciar o AgReg no AI nº 418.412-3, 1ª Turma, relatoria do ministro Eros Grau. Em seu voto, firmou Eros Grau, em termos claros e límpidos que, conforme "preceitua o artigo 155, §2º II, "a", da Carta da República, somente os casos de isenção ou não-incidência "não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes", não inserida nessa vedação a hipótese de redução de base de cálculo" (STF, 1ª Turma, AgReg no AI nº 418.412-3, ministro Eros Grau, D.J.U. 15.10.2004, página 00005, unânime). Pouco antes, desta vez por sua Segunda Turma, o Supremo Tribunal Federal, em precedente da lavra do ministro Gilmar Mendes, seguiu nessa mesma toada. Assim o fez no julgamento do AgReg no RE nº 154.179-2/SP, onde se apreciava matéria idêntica à tratada nos autos do RE nº 174.478/SP - constitucionalidade de legislação paulista no que prescrevia a necessidade de estorno proporcional de créditos de ICMS em virtude das operações de saída terem suas bases de cálculo reduzidas. Com acerto, fez constar o relator ministro Gilmar Mendes: "A controvérsia foi decidida no recurso extraordinário com fundamento em orientação do Plenário dessa Corte fixada no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 161.031, segundo o qual os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do §2º do art. 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo". (STF, 2ª Turma, AgReg no RE nº 154.179-2/SP, relator ministro Gilmar Mendes, D.J.U. 27.08.2004, página. 00077). Ainda neste tocante, é fato que o Supremo Tribunal Federal, em iterativos julgados, entendeu configurar, na isenção, hipótese de exclusão do crédito tributário. Apegou-se ao enunciado do artigo 175, inciso I, do Código Tributário Nacional (STF, 2ª Turma, RE n.º 233.652/DF, relator ministro. Maurício Corrêa, D.J.U. 10.10.2002, página 00068). Ainda que não concordemos com esta definição de isenção, é induvidoso que, neste contexto, a redução de base de cálculo não poderia ser equiparada à isenção. A este fato deve-se acrescer recente afirmativa, formulada pelo ministro Nelson Jobim quando do julgado do RE nº 350.446-1/PR, que, ao equiparar os institutos da isenção e alíquota zero, reconheceu, de forma objetiva, que em ambos os casos "o que afinal ocorre é o não recolhimento de tributo". Como visto, a matéria em espeque já recebeu, de nossa mais alta corte, trato mais acurado, o que, pensamos, daria guarida às prescrições contidas em nosso texto Constitucional, especificamente em seu artigo 155, inciso II, alínea "b". Logo, entendemos ser indevido o estorno proporcional de créditos de ICMS quando a correlata operação de saída sofrer redução de base de cálculo, por não configurar hipótese de isenção ou não-incidência, como já decidiu nossa Suprema Corte, em vários julgados.