Título: EUA e UE pressionam por abertura em serviços
Autor: Assis Moreira e Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2005, Brasil, p. A5

Relações externas Setor vira nova contrapartida para avanço agrícola

As tentativas de fazer com que a declaração de Hong Kong vincule as negociações agrícola e de serviços representam um novo complicador e uma ameaça à conferência ministerial, que começa hoje. Além de colocar mais mais pressão sobre o Brasil. A agenda original para Hong Kong era que os países aprovassem o tamanho de cortes de tarifas e subsídios agrícolas. Isso não foi possível por falta de consenso. Mas ontem a União Européia (UE) apareceu com um projeto de duas etapas: aceita que os ministros aprovem generalidades em Hong Kong, mas diz que só haverá o acordo sobre os cortes agrícolas em abril se as nações emergentes fizerem novas concessões, em áreas como serviços financeiros, telecomunicações e energia. O representante americano Rob Portman apoiou Bruxelas. "É necessário fixar, ainda em Hong Kong, prazo para que os países revisem e apresentem novas ofertas (de abertura) em serviços." Ao mesmo tempo, companhias dos Estados Unidos e da União Européia (UE) sinalizam que estão prontas para entrar no mercado brasileiro de serviços, em áreas como resseguros, e só esperam que o Brasil ceda às pressões para fazer concessões nesse setor. Do lado dos países da África, Caribe e Pacifico (ACP), houve uma forte reação na negociação de serviços, irritados com menção à negociação plurilateral (entre um número menor de países) no rascunho da declaração ministerial de Hong Kong. Eles querem mudar o texto, alegando que negociação plurilateral é um mecanismo para pressionar os países a aceitar acordos em setores que não desejam liberalizar. Se não houver consenso, a declaração ministerial, que esboça os trabalhos futuros da rodada, pode nem ser aprovada, levando ao desastre total em Hong Kong. Ao sair de uma reunião com EUA, UE, Índia, Austrália e Japão, o ministro Celso Amorim disse ter a impressão de ter sido enterrada pelo menos uma polêmica demanda européia em serviços: introduzir "objetivos quantitativos" na negociação, pela qual os países deveriam se comprometer em abrir certo número de setores. Outros negociadores não tinham a mesma impressão de Amorim. Representantes de associações empresariais de EUA e UE cobram em Hong Kong movimentos por parte do Brasil, sem esperar pelas barganhas na agricultura. "Queremos do Brasil liberalização adicional, e não apenas que o país se comprometa com o status quo", disse John Goyer, da Coalizão das Indústrias de Serviços, dos EUA. "Queremos compromissos em setores-chave, como financeiros, telecomunicações, computação, entrega rápida, audiovisual." Uma das prioridades é obter do Brasil compromissos em todos os serviços financeiros (bancos, seguradoras, corretoras). O Fórum de Serviços Europeus defende a mesma coisa e se diz "ansioso" para obter concessões, prioritariamente em transporte marítimo, serviço de distribuição e energia. Pascal Kerneis, diretor-executivo do Fórum, afirma que algumas empresas têm problema de acesso ao mercado, mas a maioria quer, sobretudo, que o Brasil se comprometa formalmente com a abertura já feita para tranqüilizar os investidores. Entre os problemas, exemplifica que, no transporte marítimo, o gigante dinamarquês Maerks tem de descarregar seus contêineres num porto, para que navios brasileiros façam a cabotagem entre diferentes portos nacionais; e a empresa francesa de satélites de comunicação Astra não pode vender seus serviços no país porque o mercado é reservado aos nacionais. Ekrem M. Sarper, também da Coalizão, destaca que muitas companhias americanas pretendem investir no setor de resseguros logo que o país quebre o monopólio do IRB. Uma delas, disse, é o grupo financeiro Principal, que já tem presença no Brasil, em parceria com o Banco do Brasil. Kerneis também indica que Lloyds, de Londres, e Munich Re, da Alemanha, lamentam a falta de acesso ao mercado de resseguros no país. O Congresso brasileiro até hoje não adotou a legislação aprovada em 1999 acabando o monopólio do IRB. Em todo caso, americanos e europeus reclamam que o novo regime proposto ao Congresso continuará freando a participação estrangeira. O Itamaraty insiste que só fará concessões em serviços se obtiver ampla abertura dos mercados agrícolas na EU e nos EUA.