Título: Ano começa com onda de euforia nos mercados
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/01/2006, Opinião, p. A8

O ano de 2006 começou com um surto de euforia nos mercados financeiros com as boas perspectivas para a economia mundial. A sinalização do Fed, o banco central americano, sobre o nível da taxa de juros em que pretende estacionar - possivelmente 4,5% e certamente não mais de 5% - eliminou uma das principais incógnitas que podem alimentar a instabilidade. Não é tudo, já que os desequilíbrios econômicos apontados em 2005 permanecem no horizonte, mas é um bom sinal. Para os países emergentes, como o Brasil, as pistas mais óbvias que levariam à reversão da liquidez internacional sumiram do caminho. Se os prognósticos para o ano se confirmarem, a economia mundial terá um novo ano de forte expansão. Entre os países desenvolvidos, os EUA continuarão sendo a locomotiva, com sua economia crescendo em torno de 4% no primeiro trimestre e com desaceleração gradual, até uma taxa ligeiramente abaixo dos 3,5% no fim do ano. A grande incógnita, que pode mexer a curto prazo com as boas perspectivas, é a previsível desaceleração do setor imobiliário. Sob a batuta de Greenspan, o Fed mostrou que não irá calibrar a política monetária em função do preço dos ativos. Como o ciclo de alta dos juros está perto do final, o desaquecimento dos preços dos imóveis poderá ser feito de forma suave, sem solavancos. E, com uma taxa de juro americana perto de sua média histórica, o Fed colocou no limbo, até segunda ordem, as análises que sugeriam que, diante dos enormes déficit gêmeos, até agora facilmente financiáveis, seria necessário subir o custo do dinheiro doméstico para além do nível recomendado pelo passado. O ISM, que mede o grau da atividade industrial nos EUA, recuou dos 58% para os 54,2% em dezembro, uma queda acima da prevista, porém ainda distante da fronteira que aponta a proximidade de uma recessão (50 pontos). Os lucros corporativos foram vigorosos em 2005, as empresas têm bastante dinheiro em caixa, sem que os investimentos tenham deslanchado. Isto pode ocorrer ao longo do ano, impedindo que o PIB dê grandes sinais de fraqueza. As perspectivas são melhores do que há muito tempo na segunda maior economia do mundo, a do Japão, que pode sustentar uma expansão de 2%. O desempenho da área do euro mal deve empatar com o japonês em 2006, mas o fantasma da recessão que rondava a Alemanha e a Itália deverá desaparecer - a expansão prevista é de 1,5% e 1,2%, respectivamente. Mas é dos países emergentes que vem a expansão mais forte, capaz de manter o dinamismo da economia mundial. A China continua em ritmo acelerado. Ela pode ter atingido 9,8% de crescimento em 2005 e possivelmente não crescerá menos de 8,5% este ano. O vigor da Índia continua intacto, com um avanço do PIB projetado em 7%. Embalada pelo petróleo, a Rússia crescerá perto dos 6%. A nota destoante será tocada pela América Latina, que progredirá 4%. O cenário de expansão apenas suavemente inferior à de 2005 abre as chances para a continuidade do vigoroso desempenho das exportações brasileiras - acima dos US$ 35 bilhões, de acordo com várias previsões. O fim do aperto dos juros pelo Fed deve manter um fluxo de capitais para os países emergentes abundante e permitir captações de empresas e governos ainda a preços cadentes por algum tempo. As bolsas continuarão a atrair a atenção diante da baixa remuneração nos países desenvolvidos. Após garantir a terceira maior rentabilidade em dólar (44,8%) em 2005, a Bovespa rompeu na primeira semana o patamar dos 35 mil pontos. Não é um fenômeno localizado. O investidores farejam boas oportunidades de ganho em países de crescimento veloz, como Egito, África do Sul, e Turquia, como informou o Valor no dia 3. As ameaças no horizonte continuam sendo os déficit gêmeos nos EUA e os preços do petróleo, embalados por uma demanda que não arrefecerá e pela crônica instabilidade política dos países produtores. Uma forte desaceleração nos EUA por um ou por ambos os motivos é possível, embora pouco provável. Uma escalada do petróleo para além das já elevadas cotações de 2005 é igualmente improvável, embora a média dos preços deva se elevar acima dos US$ 55 o barril do ano passado. Tudo somado, o cenário externo dá novas chances ao Brasil, tempo para que as distorções de sua política econômica sejam corrigidas e se desobstrua o caminho do crescimento.