Título: Argentina segue o Brasil e encerra programa com FMI
Autor: Paulo Braga e Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2005, Internacional, p. A13

Dívida País vai pagar antecipadamente, até o fim do ano, US$ 9,8 bilhões

Depois do anúncio feito pelo Brasil, a Argentina afirmou ontem que também vai efetuar o pagamento total de sua dívida com o FMI. Segundo anúncio feito no início da noite pelo presidente Néstor Kirchner na Casa Rosada, o país pagará até o final do ano US$ 9,81 bilhões à instituição. Os recursos vão sair das reservas do Banco Central, que estão em US$ 27 bilhões. Os detalhes técnicos de como será efetuado o pagamento ainda não estavam totalmente definidos, e provavelmente haverá a necessidade de alterar o estatuto do BC para permitir o resgate de uma quantia desta magnitude de uma só vez. A ministra da Economia, Felisa Miceli, disse que as reservas que ficarão nos cofres do BC são suficientes para respaldar o dinheiro em circulação no país. Miceli afirmou também que o pagamento antecipado da dívida com o FMI significará uma economia para o país de US$ 842 milhões, referente aos juros que não terão mais de ser pagos. "A partir de 1º de janeiro o trabalho dos argentinos não irá mais para a dívida com o Fundo. O trabalho voltará aos próprios argentinos", disse Kirchner ao anunciar o pagamento, em um discurso carregado de ataques à instituição. O presidente agradeceu a colaboração do colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que teria apoiado a decisão argentina, e ao presidente venezuelano, Hugo Chávez. Carlos "Chacho" Alvarez, vice-presidente do fracassado governo do ex-presidente Fernando De la Rúa e presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, afirmou que os gestos feitos pelo Brasil e pela Argentina mostram que os países do Mercosul estão caminhando na direção de aproximar suas políticas macroeconômicas. "Quanto mais comum for a política econômica de nossos países, mais haverá autonomia e desenvolvimento", disse. A cerimônia de anúncio, realizada na sede do governo, foi fortemente politizada, ao contrário do que fez o governo brasileiro. Contou com a presença de todos os governadores argentinos, líderes sindicais, militares e representantes de organizações civis, incluindo as Mães da Praça de Maio. Kirchner foi interrompido por aplausos por diversas vezes, e ao final do pronunciamento a platéia entoou gritos de "Argentina! Argentina!". No pronunciamento, Kirchner criticou a postura adotada pelo FMI durante a crise no país, acusando o organismo de fazer "intromissões" e apresentar "exigências e mais exigências contraditórias entre si e ao crescimento". Adicionou que "esse organismo respaldou o fracasso político", referindo-se ao apoio dado ao governo do ex-presidente Fernando de la Rúa, "e não entrou com uma só moeda para colaborar com a saída da crise". O presidente afirmou que o pagamento da dívida dará ao seu país "mais força para seguir reclamando uma profunda reestruturação desse organismo". O diretor-gerente do FMl, Rodrigo Rato, elogiou a decisão. "A decisão foi tomada de acordo com os direitos de qualquer membro do Fundo e reflete a confiança de que a posição externa do país é suficientemente forte para sustentar um pagamento antecipado. A Argentina enfrentará desafios e oportunidades importantes e o FMI gostaria de manter uma relação produtiva com autoridades." Na prática, ao fazer o pagamento antecipado, Kirchner livra-se das fortes críticas que vinha recebendo do FMI pelo gerenciamento econômico após a crise. O FMI tem criticado, embora não publicamente, a política argentina de tentar controlar a inflação sem utilizar ferramentas "ortodoxas", como deixar que o câmbio flutue e aumentar juros, como fez o Brasil. Outros pontos de atrito são as exigências do Fundo de que a Argentina discuta uma política de reajustes para tarifas das concessionárias de serviços públicos, institua legislação para controlar gastos públicos das províncias e reabra a negociação com credores privados que sofreram perdas com a moratória de seus bônus externos e ficaram de fora da renegociação. No total, a Argentina recebeu desde a década de 90 US$ 24,2 bilhões em recursos do Fundo. Os três acordos do país com o organismo (um deles antes da desvalorização cambial e da moratória de 2001) colocaram à disposição do país um total de US$ 42,1 bilhões. A reação inicial do mercado ao anúncio feito ontem foi negativa, com queda na cotação dos bônus argentinos. No mercado local, os rumores de que o anúncio seria feito fizeram com que a bolsa operasse em alta quando se aproximava o fim da jornada. O índice Merval fechou com variação de 1,9%.