Título: Divergências entre governo e Aneel prejudicam leilão
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2005, Empresas &, p. B8

Energia Evento é considerado o grande teste do novo modelo do setor

Inicialmente marcado para hoje e tido como o grande teste do novo modelo do setor elétrico, o leilão de energia nova vem opondo, há semanas, governo e empresários, além de ter provocado divisões internas entre os próprios órgãos responsáveis pelo empreendimento. Desentendimentos constantes entre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério de Minas e Energia marcaram as semanas anteriores ao leilão. Empresários vêm travando uma intensa discussão pública com o governo em torno dos preços máximos para a concessão de novas usinas. Governadores como Marconi Perillo (GO) e Roberto Requião (PR) receberam diversos telefonemas de altos funcionários e até de ministros pressionando pela emissão de licenças por seus órgãos estaduais de meio ambiente. E um dos últimos eventos públicos para discutir o funcionamento do leilão teve um bate-boca acalorado entre o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, e o professor carioca Adriano Pires, um dos mais contumazes críticos do modelo implantado pelo governo Lula. Considerado um sucesso no atacado, por suas regras transparentes, o modelo está sendo copiado por países como Chile, Peru e Equador. Mas os acertos têm sido consumidos por confusão e incertezas no varejo. Algumas interferências do Ministério de Minas e Energia chegaram a causar mal-estar na Aneel, na preparação do leilão. É o caso de uma resolução recentemente aprovada pela agência reguladora. A resolução dizia respeito aos riscos assumidos por empreendedores que estivessem construindo novas usinas hidrelétricas. Se após a licença ambiental para a construção do projeto, no decorrer das obras, o consórcio vencedor descobrisse, por exemplo, um tesouro arqueológico ou plantas em extinção na área do reservatório, teriam custos adicionais que elevariam o valor do investimento. A questão analisada pela Aneel, na ocasião, era a seguinte: quando essas "surpresas" acontecem, quem arca com o aumento de custos? Reunidos no mês passado para arbitrar a questão, os diretores da agência chegaram a uma conclusão: autorizaram o investidor, nesse tipo de situação, a incorporar nas tarifas os custos adicionais gerados por essas surpresas. Um dia após a decisão, eles receberam uma orientação explícita do ministério para rever a decisão. Reuniram-se poucas horas depois para reverter a resolução aprovada, em um caso atípico de interferência do governo na independência decisória da agência. Prevaleceu a ordem do ministério: os custos adicionais não poderão ser repassados às tarifas e ficam por conta e risco dos investidores. Desde o lançamento do edital do leilão, em outubro, técnicos da Aneel tiveram uma visão mais realista dos empreendimentos que poderiam ser licitados. Não apostavam em mais do que nove ou dez usinas licenciadas para o leilão, enquanto o ministério insistia em liberar pelo menos 13 das 17 hidrelétricas planejadas inicialmente. Por duas vezes o governo remarcou o prazo máximo fixado para a entrada de novas usinas no leilão. Do início de outubro, quando apenas cinco projetos haviam sido liberados, o limite ficou para 6 de dezembro. Diante do baixo número de empreendimentos liberados - apenas oito -, o ministério postergou o prazo até anteontem. No centro do fogo cruzado, Maurício Tolmasquim, um dos idealizadores do novo modelo e agora responsável pela formulação dos leilões, tem sido submetido a pressões de todos os lados. Em recente seminário em um hotel de Brasília, dividiu os debates com o professor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, que atacou o governo apontou o risco de apagão em 2010. A conclusão do debate surpreendeu os participantes: nervoso, Tolmasquim acusou Pires de trabalhar para partidos políticos e ter interesse no fracasso do modelo. Em meio às discussões, durante o evento, empresários questionaram o presidente da EPE sobre os cálculos que balizaram o preço máximo de R$ 116 por megawatt-hora no leilão. Essa tornou-se a principal queixa dos investidores.