Título: Colaboração com poucos resultados
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Brasil, p. A2

A visita ao Brasil amanhã do novo subsecretário de Estado dos Estados Unidos para a América Latina, Thomas Shannon, deve testar o novo modelo de relacionamento bilateral que vem sendo propalado pelo governo Bush. O discurso uníssono sobre o Brasil nos EUA é de que o país é o "maior aliado" na região, e que ambos os países têm objetivos semelhantes tanto políticos (manutenção de democracias) quanto econômicos (redução de subsídios agrícolas nas negociações comerciais mundiais). Até agora a colaboração rendeu poucos frutos concretos. A reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Hong Kong não trouxe uma mudança significativa no sistema de subsídios ou na abertura de mercado para produtos agrícolas, embora a colaboração entre os EUA e os países do G-20 liderados pelo Brasil tenha ajudado a evitar um colapso total da negociação. Com o ritmo de tartaruga das negociações globais, novamente os EUA insistem na negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A suposta "colaboração" com o Brasil, neste caso, não está rendendo bons frutos ao país. Os EUA insistem em retomar o modelo de uma Alca com dois níveis, na qual apenas os países com maior compromisso em áreas como propriedade intelectual e investimentos teriam maior acesso ao mercado americano. A pressão para este tipo de negociação está mais fácil com o crescente número de acordos bilaterais com países latino-americanos que já incluem estas obrigações (México, América Central e Caribe, países andinos e até mesmo o Uruguai, membro descontente do Mercosul). À medida em que estes países não resistem às pressões americanas para assinar acordos nos termos dos EUA, na negociação hemisférica querem ter vantagens sobre os que não aceitam os compromissos mais difíceis. Os EUA continuam recusando-se a negociar um acordo bilateral com o Mercosul. Os resultados são ainda mais fluidos nas relações dos EUA com outros países da América Latina. Com a Venezuela, o Brasil tem mantido relações próximas, embora evitando antagonizar os Estados Unidos. Já atuou como "bombeiro" numa crise com a vizinha Colômbia. Chávez não tem tomado atitudes radicais como nacionalização forçada na área energética. Mas vem ganhando maior controle do setor aumentando royalties e impostos. Em dezembro, fez a maior mudança até agora em contratos de joint-venture para exploração de petróleo, que serão obrigatoriamente feitos com o governo. A americana Chevron e a Shell aceitaram a mudança, mas a francesa Total e a americana Esso estão relutantes.

Brasil e EUA precisam definir seus rumos na AL

De qualquer maneira, a demagogia chavista não atingiu até agora o principal interesse econômico americano - as exportações de petróleo para os EUA continuam normalmente, assim como as lucrativas operações da subsidiária da PDVSA nos EUA. O próximo teste será o relacionamento com a Bolívia. A Petrobras já começou a negociar saídas que evitem prejuízos para seus investimentos na infra-estrutura de gás no país, como uma eventual participação da estatal boliviana na distribuição. O principal interesse dos EUA na região é evitar novo aumento da plantação de coca para produção de cocaína, e para atingir o objetivo pretendem usar a maior proximidade do governo brasileiro com o recém-eleito presidente, Evo Morales. O Departamento de Estado tem repetido nos briefings à imprensa que serão as "medidas tomadas pelo governo" de Morales que determinarão as relações com os EUA, evitando entrar em debates retóricos respondendo a declarações inflamadas de Morales contra o presidente americano George Bush. Na área política, Shannon parece conhecer muito mais a América Latina e o papel brasileiro na região do que seu antecessor Roger Noriega, que concentrava-se em debates infrutíferos com Hugo Chávez e Fidel Castro. O novo ocupante do cargo evita as questões mais polêmicas e tenta encontrar interesses comuns. Na área econômica, entretanto, os EUA ainda precisam definir o que significa uma "colaboração" real com o Brasil se as tentativas de desmontar o sistema de subsídios agrícolas não derem certo na OMC. A manutenção do "status quo" nos subsídios americanos deve provocar crescentes concessões de recursos aos agricultores (cerca de US$ 20 bilhões no ano passado) e continuidade de barreiras altamente prejudiciais ao Brasil. A exportação de álcool para uso como combustível, por exemplo, continua sendo inviabilizada por barreira tarifária altíssima para proteger produtores de etanol a partir de milho nos EUA. Para decretar uma mudança expressiva nos subsídios sem contrapartida da Europa, os EUA terão que acenar ao Congresso com algum tipo de benefício - até Hong Kong, esperava-se poder oferecer um mercado europeu mais aberto. Por enquanto, a atitude americana em relação à negociação comercial bilateral com o Brasil não mudou. Em entrevista ao Valor, em novembro, o sub-representante comercial Peter Allgeier disse que o Mercosul "não está pronto" para um acordo bilateral nos moldes do que os EUA vêm fazendo com outros países.