Título: Governo vai tentar, de novo, transferir rodovias aos Estados
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Brasil, p. A3

O governo estuda a edição de uma nova medida provisória para garantir a efetiva transferência das rodovias federais para os Estados. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve começar a discutir este assunto na reunião com os governadores, prevista para a segunda quinzena de janeiro. A nova MP, segundo apurou o Valor, colocaria em prática o que deveria ter acontecido por intermédio da MP 82/2002 (considerada de estadualização das rodovias), que foi revogada pelo próprio Lula em maio de 2003. "Não existe nada oficial, precisamos ver ainda se eles (os governadores) concordam", admitiu um assessor do Palácio do Planalto. A saída jurídica é combinada com a estratégia de adotar um discurso mais ameno, evitando as críticas públicas aos governadores, por conta do péssimo estado das rodovias. "A idéia é adotar um discurso de parceria, não de confronto", confirmou um aliado. De seu lado, os governadores admitem que a verba repassada pela MP 82 - R$ 1,8 bilhão - publicada no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, foi utilizada para cobrir despesas diversas, como o pagamento de salário de servidores estaduais. Mesmo assim, rejeitam o rótulo de negligentes. "Veio o dinheiro, não vieram as estradas. Logo, esses recursos não eram carimbados", defendeu o presidente do Fórum Nacional de Secretários de Transportes e Obras, Agostinho Patrús. O clima de confronto atingiu o auge há duas semanas. Antes da edição da medida provisória 276, que liberou R$ 350 milhões para obras emergenciais nas rodovias (outros R$ 90 milhões são de restos a pagar), o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo e a ministra-chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, culparam os governadores pela situação precária das rodovias incluídas na antiga medida provisória 82. Governadores e secretários de Obras começaram a pressionar o Executivo para que o tom baixasse. Dentro do Planalto, a situação ainda gera controvérsia. Apesar da revogação, uma medida provisória, ao ser publicada, vale como lei e tem efeito imediato. Por conta disso, um contrato, reconhecido pelos governadores, foi firmado entre a União e os Estados em 2002. Por ele, seria repassado R$ 1,8 bilhão para 15 Estados, e as rodovias seriam repassadas em quatro lotes, nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006. "Persiste a dúvida. Juridicamente, houve a estadualização", garantiu um assessor do governo. De olho no ano eleitoral, e ciente de que um contencioso desse porte mais atrapalharia do que ajudaria, "bombeiros" da assessoria do presidente correram para acalmar os ânimos. Coube ao próprio presidente Lula, após uma controvertida entrevista da ministra Dilma, decretar que críticas públicas aos governadores estariam vetadas a partir daquele momento. "As estradas estão esburacadas, intransitáveis. Nós - governo federal e estaduais - temos que resolver essa questão", resumiu o ministro da coordenação política, Jaques Wagner. O Ministério dos Transportes admite que o discurso político aconteceu num primeiro momento, mas a assessoria garante que, da parte do ministro Alfredo Nascimento, o que importa agora é que as estradas estejam em condições ideais para o tráfego de veículos. "O ministro Alfredo Nascimento jamais se preocupou em responsabilizar os governadores. Sempre deixou claro que as obras seriam feitas, independentemente de se encontrar culpados", afirmou a assessoria do ministério. O recuo do Planalto veio depois do bombardeio dos governadores e dos secretários de obras estaduais. O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, classificou de irresponsável a estadualização das estradas. Pelo texto da MP 82, 1,9 mil quilômetros estradas federais seriam repassadas para o Rio Grandes do Sul, ao lado de R$ 250 milhões. O dinheiro foi utilizado pelo ex-governador e ex-ministro das Cidades, Olívio Dutra, para pagamento do 13º do funcionalismo. "Podemos devolver os R$ 250 milhões e as estradas continuam sob responsabilidade do governo federal", provocou Rigotto. O governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, foi irônico diante da proposta do governo federal de tapar, em caráter emergencial, os buracos de 26 mil quilômetros de rodovias, incluindo as que deveriam estar estadualizadas. "Antes tarde do que nunca, isso já deveria ter sido feito há muito tempo", provocou. Pessoas próximas ao governador dizem que o Estado, na verdade, é credor da União, por ter investido recursos na duplicação da BR 232, que corta Pernambuco. A secretária de Desenvolvimento, Infra-Estrutura e Transportes do Espírito Santo, Rita Camata, não concorda com a pressão para que os Estados assumam contrapartidas no Plano de Recuperação das estradas, elaborado pelo governo federal. "Coube ao Espírito Santo pouco mais de R$ 35 milhões, relativos aos 292 quilômetros transferidos. Como o governo federal não tapou os buracos, o Estado fez o investimento", declarou Rita. "Por isso, não é justo que queiram reter ainda mais os nossos recursos da Cide", afirmou a secretária. Agostinho Patrús, presidente do Fórum Nacional de Secretários de Transportes e Obras, admite que interessa aos Estados a parceria. No caso de Minas Gerais, que recebeu R$ 780 milhões que jamais foram aplicados em estradas, o governo do Estado admite uma nova dobradinha com a União. "Poderíamos investir novos recursos em estradas, até atingir esse montante repassado em 2002. Evidentemente, esta negociação varia de Estado para Estado", declarou. Patrús, que também é secretário de Transportes e Obras Públicas de Minas Gerais, confirmou a intenção do governo mineiro em compor um fundo estadual, onde seriam aplicados os recursos destinados a rodovias. "A péssima conservação das estradas não é primazia do governo Lula. Elas estão sucateadas há pelo menos 17 anos, quando foi extinto o Fundo Nacional de Transportes, substituído, posteriormente, pela Cide", disse Patrús.