Título: Com estoques ajustados, indústria já espera pedidos
Autor: Sergio Lamucci e Vera Saavedra Durão
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Brasil, p. A4

Conjuntura Ano começa com aposta na massa salarial e na queda de juros

A indústria entra em 2006 com estoques bem mais ajustados depois da desova ocorrida a partir do terceiro trimestre e do melhor desempenho da economia em novembro e dezembro. Os empresários estão mais otimistas com as perspectivas da economia para o começo de 2006, embalados pelas encomendas razoáveis do varejo - que teve um fim de 2005 positivo, ainda que nada brilhante -, e pela expectativa de continuidade da queda dos juros, de aumento da massa salarial e de mais gasto público em ano eleitoral. A Copa do Mundo também deve ajudar, principalmente o segmento de eletroeletrônicos, que aposta em vendas mais fortes de televisões. No setor de aços planos, os estoques estão quase que totalmente normalizados, segundo Carlos Loureiro, presidente da Rio Negro, que atua na distribuição do produto. Segundo ele, o nível de inventários voltou ao normal para aços galvanizados, chapas finas a frio e chapas finas a quente. Loureiro lembra que, com temor de que os preços subissem muito ao longo de 2005, o setor antecipou compras no ano anterior que acabaram se provando desnecessárias, já que as cotações não subiram. Com isso, as empresas passaram 2005 ajustando estoques, o que explica a queda de 14% registrada pelos distribuidores no ano passado. Loureiro diz que o setor entra em 2006 mais otimista, até porque a base de comparação é ruim. Ele espera aumento de 6% na distribuição de aços planos no ano, resultado que deve se beneficiar da queda dos juros, da expectativa de que o setor de autopeças continue crescendo e das perspectivas mais positivas para a construção civil. Num ano eleitoral, o setor público deve investir mais em infra-estrutura, beneficiando o setor de aço. O comportamento positivo das vendas no fim de 2005 aponta um bom primeiro trimestre para as empresas da Zona Franca de Manaus, de acordo com o presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Maurício Loureiro. Segundo ele, "o giro nos pontos de venda ficou além da expectativas no fim do ano passado". O esperado aumento da renda média dos trabalhadores e o crescimento do crédito com desconto em folha de pagamento devem ajudar o setor, avalia o dirigente. Maurício Loureiro diz que os estoques das empresas do Pólo Industrial de Manaus estão ajustados. As empresas concederam em média 20 dias de férias a uma boa parte dos 105 mil empregados, sem que isso signifique excesso de estocagem. Números preliminares indicam que o faturamento das empresas do Estado cresceu quase 30% em 2005, para US$ 18 bilhões. Para 2006, ele espera faturamento próximo a US$ 20 bilhões. Aloísio Campelo, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), acredita que o ajuste de estoques na indústria, iniciado em outubro, deve ter prosseguido até dezembro e neste início de 2006. "Esse movimento deverá ser comprovado na sondagem da indústria que será divulgada na quinta-feira", adiantou. Segundo ele, a estocagem da indústria começou gradualmente no início do segundo trimestre e foi aumentando até chegar no terceiro trimestre a um nível superior a média dos últimos 10 anos. Na sondagem de julho, o percentual de empresas com estoques excessivos subiu de 10% para 14%, o maior desde 2003. Em outubro, este movimento ficou estável A Petroflex, fabricante de borracha sintética, começou o ano com estoques de matéria-prima para 11 dias, quando o normal são 15 dias. Wanderley Passarella, diretor comercial, acredita em normalização da produção neste primeiro trimestre e destaca que a retração de estoques no ano passado aconteceu por conta do menor volume de encomendas da indústria calçadista no segundo semestre, que sofreu com a concorrência chinesa. Passarella conta que a Petroflex controlou o acúmulo de estoques porque tem uma política que permite evitar excesso de produção. "Temos contato permanente com os clientes e regulamos a produção semanal e mensalmente. Mas, mesmo assim, além do setor de calçados, a indústria de pneus, que responde por 63% do nosso faturamento, também rateou pela quebra da safra agrícola". Depois de um dezembro em que as vendas ficaram praticamente estáveis em relação ao mesmo mês de 2004, o grupo M. Dias Branco aposta num 2006 bastante positivo. A empresa, que produz massas, biscoitos, farinha de trigo e gordura hidrogenada, é outra que começou o ano com estoques ajustados, segundo o diretor financeiro, Geraldo Luciano. Os pedidos do varejo, informa, estão normais e tendem a aumentar a partir da segunda quinzena. Após um crescimento das vendas reais de 3% em 2005, Luciano aposta em alta de 10% neste ano. A expectativa de um aumento real do salário mínimo é um dos principais fatores para o otimismo, além da elevação dos gastos públicos num ano eleitoral. Boa parte das indústrias têxteis de Santa Catarina está em férias coletivas e só retorna a partir desta semana, quando deverão se deparar com o comércio mais reticente. Marisol, Brandili, Someday e Hering , entre outras, pararam 10 dias ou mais no fim de ano. O presidente da Buddemeyer, Evandro Müller, voltou no dia 5 das férias coletivas, e mostra-se otimista. Embora ainda considere cedo para prognósticos sobre as encomendas do varejo, ele acha que há perspectiva de geração de emprego e renda com as novas obras do governo federal e de aumento do consumo com a política de redução gradual dos juros pelo Banco Central. "Mas janeiro é sempre um mês morno. Em fevereiro teremos uma sinalização melhor do volume de negócios", explica. Valêncio Garcia, da Mercador, empresa baiana de softwares de gerenciamento de estoque, conta que grandes fatias do setor varejista já apuraram que os estoques de janeiro estão, em média, 4% superiores ao que se previa no ano passado. Entre as fabricantes de eletrodomésticos da linha branca, diz ele, o montante é ainda maior. Os estoques estão 12% maiores do que se estimava para o início de 2006. As confecções de Minas Gerais chegaram em janeiro com "sobras" estimadas em 20%. O dado é do Sindicato das Indústrias de Vestuário no Estado de Minas Gerais (Sindivest-MG). De acordo com o presidente da entidade, Michel Aburachid, para queimar estas sobras, as empresas já colocaram em prática as tradicionais liquidações de janeiro. As vendas não vão gerar lucro, mas permitem transformar o estoque em capital de giro. (Colaboraram Vanessa Jurgenfeld, Ivana Moreira e Patrick Cruz)