Título: Relatório final da CPI dos Correios vai além de PT/PSDB e expõe PMDB
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Política, p. A5

A investigação conduzida no Congresso pela CPI Mista dos Correios dissecou as mazelas de campanha do PT e do PSDB, dois partidos que devem novamente ser protagonistas na disputa de 2006, mas o relatório final vai expor também as entranhas de outros partidos, em especial o PMDB. A legenda tem sido poupada de desgastes até o momento. O relator-geral da CPI, deputado Osmar Serraglio (PR), é do PMDB, mas promete não se contaminar pelo espírito correligionário ao responsabilizar culpados e sugerir indiciamentos. O PT não tem interesse em atacar o aliado potencial e estratégico. O PSDB prefere incomodar os petistas. No entanto, a razão principal pela qual a CPI foi criada, para apurar um suposto esquema de corrupção nos Correios, atinge em cheio integrantes do PMDB. O partido, a partir de 2004, assumiu o Ministério das Comunicações, com o deputado Eunício Oliveira. Indicou para presidente dos Correios João Henrique de Almeida Souza, filiado ao PMDB há 25 anos, ex-ministro e ex-deputado federal. Pelo menos três diretorias dos Correios - comercial, financeira e de recursos humanos - foram ocupadas pela legenda. Os pemedebistas continuam a controlar o Ministério das Comunicações, agora com o senador mineiro Hélio Costa. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) é vinculada ao ministério. A ECT abrigou e abriga diretores indicados por diversos partidos. Como o alvo de investigação da CPI foram as licitações e procedimentos administrativos adotados na ECT de 2000 a 2005, "não escapa ninguém", admite o sub-relator de contratos da CPI, deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). Vale lembrar que a corrupção nos Correios veio à tona depois da divulgação de vídeo em que Maurício Marinho, ex-chefe do departamento de contratação e administração de material da ECT, foi flagrado recebendo propina de empresa interessada em atuar no setor. Ele e o seu superior, Antônio Ozório, então diretor de administração dos Correios, eram ligados ao PTB. Para o presidente nacional do PMDB, deputado Michel Temer (SP), as investigações da CPI não afetam a imagem do partido. Ele admite que lembrou o nome de João Henrique no início do governo para ocupar uma diretoria nos Correios. "Depois o Eunício entendeu que ele poderia ser o presidente dos Correios", contou. Temer enfatiza, no entanto, que o PMDB, sete meses depois, decidiu em convenção entregar todos os cargos do partido ao governo, em dezembro de 2004. A decisão gerou uma briga interna no partido, que parou no Judiciário. Os ministros não queriam deixar os cargos, nem dirigentes dos Correios e do INSS. "Institucionalmente, o PMDB não concordou com a permanência dessas pessoas no governo", ressalta. No caso do mensalão, ressalta Temer, o ex-líder na Câmara José Borba (PR) renunciou ao mandato e já explicou as razões pelas quais sacou dinheiro da conta do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Indagado se as indicações políticas - em detrimento da capacidade técnica - para estatais, autarquias e empresas públicas abrem brechas para a corrupção, Temer argumenta que se trata de uma rotina organizada pela própria Presidência. "Em geral se escolhe alguém da classe política com habilitações técnicas. Para mudar tudo isso, é preciso começar pelos critérios de composição do ministério. Toda uma cultura politica deve se modificar", analisa. A contaminação das instituições, diz, está ligada à lisura individual e muitas vezes a falhas de fiscalização. Temer evita antecipar posições que o PMDB poderá tomar se políticos do partido forem indiciados. "Vou esperar o relatório final da CPI", afirmou. O sub-relatório parcial de contratos, já divulgado por Cardozo, aponta uma série de indícios de conluio entre empresas, licitações dirigidas, fragilidades jurídicas em editais e superfaturamento de contratos entre empresas privadas e os Correios. Ele sugere ao Ministério Público Federal o indiciamento de 14 pessoas, entre elas dois ex-presidentes dos Correios: Hassan Gebrin, ligado a políticos do PSDB, e o pemedebista João Henrique. João Henrique afirmou à CPI que foi indicado para o cargo pelo então ministro Eunício Oliveira. Os dois já tinham trabalhado juntos na Executiva Nacional do partido. João Henrique era secretário-geral e Eunício, tesoureiro. Ele disse não saber "exatamente o critério" de nomeação dos sete diretores dos Correios. Para as 25 diretorias regionais, disse que a indicação seguia um critério de natureza técnica, mas informou que nunca deixou de receber "parlamentares dos Estados que quisessem eventualmente conversar se estivesse vagando ou se tornasse vaga alguma das diretorias". Sobre as licitações para a Rede Postal Noturna (RPN), o chamado Correio Aéreo, contou que foi procurado pela empresa Skymaster. Alegou ter sido rude na discussão com o então presidente da empresa, Luiz Otávio Gonçalves, e não atendeu às reivindicações de revisão de preço dos serviços prestados para a RPN. Segundo ele, é "evidente" que o presidente da ECT não pode, pela dimensão da empresa, fazer uma análise detalhada de cada projeto: "Seria absolutamente improvável que qualquer um de nós pudesse ter conhecimento técnico particularizado sobre a alçada de cada diretoria". Já Hassan Gebrin, indicado em 2000 pelo então ministro Pimenta da Veiga para ocupar a presidência dos Correios, disse à CPI que a empresa funcionava com um modelo ultrapassado e inadequado de gestão. Reconheceu que a descentralização entre as diretorias e o sistema de franquias era inadequado. Foi na gestão de Gebrin que foi realizada a primeira licitação da RPN, revogada pelos excessivos preços cobrados pelas empresas habilitadas. "Nunca transigi com a ética, a moralidade e com a legalidade no trato da coisa pública", disse ele à comissão.