Título: Do pânico à euforia
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Fonte: Correio Braziliense, 11/05/2010, Economia, p. 12

Socorro de 750 bilhões de euros para Grécia, Espanha e Portugal alivia os investidores. Bolsas de Valores sobem em todo o mundo, mas incertezas continuam. A Europa precisa atacar os problemas pela raiz, como reduzir, drasticamente, os deficits fiscais

Depois de dias seguidos de agonia e pânico, o mercado financeiro de todo o mundo mergulhou ontem na euforia, apoiado no socorro de 750 bilhões de euros (R$ 1,7 trilhão) que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) darão aos países em dificuldades na Zona do Euro ¿ em especial, à Grécia, à Espanha e a Portugal. O medo de que o euro, a moeda comum da região, entrasse em colapso amainou e a resposta veio por meio de altas espetaculares na principais bolsas de valores. A de Madri avançou 14,43%. Em Lisboa, o salto foi de 10,73% e, em Atenas, de 9,13%. Nos mercados de Londres, de Frankfurt e de Paris, as altas foram, respectivamente, de 5,16%, 5,30% e 9,66%. ¿Finalmente, pudemos respirar¿, disse um operador de um grande banco estrangeiro.

Na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), a reação não foi diferente. Desde a abertura das negociações, o pregão apontou para cima, recuperando parte dos prejuízos acumulados na semana passada. O Ibovespa, principal índice de lucratividade do pregão paulista, encerrou a segunda-feira nos 65.452 pontos, com valorização de 4,11%, a maior desde 29 de outubro de 2009. Os papéis de maior liquidez tiveram comportamento diferenciado. Enquanto os da Vale subiram mais de 4%, os da Petrobras não avançaram nem 2%. Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, cravou alta de 3,90%. Na Nasdaq, a bolsa eletrônica, o salto foi de 4,81%.

Dólar desaba Apesar do alívio, a expectativa é grande. O nervosismo só tenderá a se dissipar por completo quando houver o desembolso emergencial de 60 bilhões de euros para tirar os países mais problemáticos do buraco. Mas, para mostrar que o pacote de ajuda é para valer, os bancos centrais da Zona do Euro começaram ontem a comprar bônus emitidos por Grécia, Espanha e Portugal como forma de recuperar os preços desses títulos. A ação foi coordenada pelo Banco Central Europeu (BCE), que ainda participou, com as instituições do Canadá, da Inglaterra, dos EUA e da Suíça, da reativação das operações temporárias de troca (swap) de moedas por dólar para garantir a oferta de recursos nos mercados.

Como consequência, o euro parou de derreter, cotado a US$ 1,276, com alta de 0,3% ante sexta-feira. No Brasil, depois de subir 6,44% na semana passada, o dólar recuou 4,11% ¿ o maior tombo desde 24 de novembro de 2008 ¿ negociado a R$ 1,773, na mínima do dia. A baixa da moeda americana só não foi maior porque, perto do encerramento dos negócios, o Banco Central interveio, retirando o excesso de recursos que estava circulando pelo mercado. Para o governo brasileiro, não interessa ver o dólar abaixo de R$ 1,80, para não prejudicar as exportações.

Não à especulação Na Europa, a maior preocupação foi pôr fim ao ataque especulativo contra o euro. ¿Acho que foi o começo do fim desse movimento¿, disse, em Bruxelas, o ministro Miguel Angel Moratinos, de Assuntos Exteriores da

Espanha, país que exerce a presidência interina da União Europeia. ¿O acordo, de 750 bilhões de euros, garantirá o fracasso de qualquer tentativa de enfraquecer a estabilidade do euro¿, assegurou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso.

As declarações fortes, no entanto, não dissiparam as dúvidas se a Europa conseguirá afastar os temores de uma onda de calote nos países da Zona do Euro. A própria Alemanha conteve o entusiasmo. ¿O fundo aprovado vai reforçar e proteger o euro, mas devemos atacar os problemas pela raiz e fortalecer a disciplina fiscal¿, advertiu a chanceler Angela Merkel.

A agência de classificação de risco Moody¿s indicou que continua pensando em voltar a rebaixar a nota da dívida soberana da Grécia, depois de tê-la degradado em dezembro.

Alguns analistas consideram que tempos difíceis ainda esperam a Zona Euro. ¿Mais crises virão para a Grécia, Portugal, Espanha, ou até para Irlanda e Itália, porque o euro precisa ser apoiado por um governo central forte¿, disse Peter Morici, professor da Universidade de Maryland, em Washington. ¿A única maneira de sair desta crise de dívida soberana é com inflação, com a reestruturação da dívida por meio da quebra e da suspensão do euro em vários países¿, previu Stefano Harney, da Universidade de Londres.

POUPANÇA PERDE PARA O IPCA » Quem aplicou na poupança nos quatro primeiros meses de 2010 teve retorno menor do que a inflação. Entre janeiro e abril, a aplicação rendeu 2,10%, enquanto que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 2,65%. No confronto direto, a poupança perdeu 0,53%, o que quer dizer que o investimento não rendeu ganho real ao poupador. Os números foram divulgados ontem pela consultoria Economática. Segundo a Economática, esta é a terceira vez que a aplicação perde para a inflação. As outras duas foram nos primeiros quatro meses de 2003 e no segundo quadrimestre de 2008, período em que o forte crescimento econômico do país puxou para cima os preços dos produtos e serviços.

Mais crises virão para a Grécia, Portugal, Espanha, ou até para Irlanda e Itália¿ Peter Morici, professor da Universidade de Maryland

Depoimento Fantasma é o desemprego

Alana Rizzo

O sobe e desce das bolsas de valores e os números milionários dos prejuízos financeiros da primeira crise do euro ganharam as ruas. Nos bares, escolas, bancas de jornais e lojas de Madri e Lisboa, capitais de dois países afetados diretamente pela crise, não há outro assunto. O clima de medo é constante e, principalmente, crescente. Durante uma semana na Europa, escutei as mais variadas opiniões sobre o drama do velho continente. A maioria das pessoas com quem conversei ainda insiste em não acreditar. Outras, apenas lamentam. Há aqueles mais radicais que só conseguem enxergar uma luz no fim do túnel: o fim da União Europeia. Ou, pelo menos, a mudança do atual sistema.

O temor maior é do desemprego. Para os madrilenhos, parece uma missão quase impossível arrumar emprego nos próximos meses. Brasileiros que vivem no país pensam até em retornar. O comércio tenta salvar as vendas como pode. As coleções de primavera-verão mal chegaram nas vitrines e já estão em liquidação. A grande aposta dos dois países para movimentar ¿ ainda que timidamente a economia ¿ é o turismo. Brasileiros e norte-americanos aproveitam a desvalorização da moeda para invadir a Europa e gastar. Muito.

Em Portugal, a sensação de pânico é menor. ¿É que sempre estivemos em crise, né?¿, justificou, na sexta-feira, um taxista português em Lisboa, meio sem esperança. ¿O problema é que agora é maior, né?! É de toda a União Europeia. Bom mesmo é ir para o Brasil¿, disse. Na capital portuguesa, o clima é de que não há muito o que se fazer, apesar dos malabarismos das autoridades para tentar reverter o quadro. ¿É esperar para ver o que eles vão decidir¿, disse outra portuguesa, que trabalha em um restaurante há poucos meses e custou a conseguir o emprego. Lá, o Brasil também aparece como a alternativa para os irmãos de língua portuguesa. Na área comercial, cartazes indicam: ¿Investimento seguro é no Brasil¿, ¿mande seu dinheiro para o Brasil.¿