Título: Pequim luta para que províncias cumpram suas ordens
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Internacional, p. A10

As autoridades da província de Jiangsu, no leste da China, receberam uma reprimenda pública muito dura quando foram pegas ao tentar fazer com que uma nova siderúrgica não fosse detectada, burlando ordens do governo central de contenção do setor do aço. O "Diário do Povo", jornal oficial do Partido Comunista chinês, repreendeu o governo local por ultrapassar seus poderes e agir de forma conivente com a empresa Jiangsu Tieben na tentativa ilegal de dar prosseguimento a um projeto de construir uma nova fábrica, avaliado em US$ 1,3 bilhão. Foi "uma grave violação das leis de decretos do Estado", disse o jornal. Nos detalhes, o caso da Tieben ressalta bem as novas contradições criadas pela transição da China do planejamento central e controle estatal para algo mais próximo da economia de mercado. Empresas privadas recém-abertas, como a Tieben, têm agora o importante papel de proporcionar uma nova vitalidade à indústria chinesa. Mas algumas coisas essenciais - como crédito bancário e apoio político - ainda fluem muito mais facilmente para as estatais, e a China tem um longo caminho até tornar a concorrência um pouco mais justa para empresas do setor privado. De um modo mais amplo, o caso da Tieben exemplifica tensões de 2.200 anos, que chegam às raízes da burocracia imperial chinesa. Até o mais forte dos antigos imperadores tinha dificuldade em controlar governos locais distantes, e este é um jogo de gato e rato que hoje os mandarins do Partido Comunista continuam jogando. No último ano, o governo central vem tentando limitar o superaquecimento da economia com uma mistura de medidas macroeconômicas e administrativas. A alta dos juros no mês passado, a primeira em nove anos no país, foi precedida por uma série de ordens de contenção dos empréstimos bancários e restrição dos investimentos em ativos fixos, especialmente em setores de crescimento acelerado como o automobilístico, imobiliário, de alumínio e aço. Nos níveis provincial e local, porém, os líderes compreensivelmente continuam ávidos por manter o crescimento, que rende receitas tributárias e emprego em seus distritos. Para eles, a imposição de medidas para reduzir a atividade econômica é como um monte de lixo tóxico: sem dúvida vital para o bem maior, mas melhor no quintal de outro. Antes, o governo central controlava os movimentos de todos e cabia à poderosa Comissão Estatal de Planejamento (CEP) decidir o que seria construído e onde. Mas, na marcha rumo à economia de mercado, a China vem transferindo mais poder decisório para as províncias, e a CEP se tornou a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (CNDR), elogiada e menos ditatorial. Segundo o vice-presidente da Academia de Pesquisas Macroeconômicas da CNDR, Wang Yiming, a comissão deixou de dar ordens e agora "tenta convencer governos locais de que as políticas do poder central são de seu próprio interesse". Essa tarefa, acrescenta, tem sido complicada pela crescente influência das empresas privadas. Antes limitadas à produção de artigos industriais leves, como brinquedos, canetas ou sapatos, as empresas privadas podem agora investir em projetos que exigem muito capital, como fábricas de automóveis e siderúrgicas. Victor Shih, que estuda a China na Northwestern University, nos EUA, diz que o governo central enfrenta uma luta contínua para controlar o fluxo de dinheiro e investimentos. Continua sendo bem eficaz no controle dos empréstimos bancários, "mas há muito dinheiro privado em circulação, que Pequim não consegue controlar". Apesar de ter cedido grande parte do controle sobre empresas e decisões econômicas, o poder central vem mantendo mão firme sobre a contratação e demissão de funcionários em toda a administração pública, e isso é sua melhor defesa contra governos locais rebeldes. "Dirigentes locais sabem que podem ser demitidos se desobedecerem o centro", diz Wang. Infelizmente, para o governo central, o número de ratos à solta é muito maior que o de gatos em Pequim.