Título: Concessão do Brasil à China desagrada aos argentinos
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Internacional, p. A10

Comércio Empresários temem que o governo local tenha de fazer o mesmo

A decisão do Brasil de reconhecer a China como uma economia de mercado está causando preocupação entre o empresariado argentino. O temor é que, por causa da atitude brasileira, a Argentina seja obrigada a fazer a mesma concessão para poder receber ao menos parte dos investimentos que os chineses pretendem fazer na América Latina nos próximos anos. Os presidentes da China, Hu Jintao, e da Argentina, Néstor Kirchner, assinaram na noite de ontem uma série de acordos de cooperação. Segundo autoridades argentinas, os investimentos chineses no país podem chegar a US$ 19,7 bilhões nos próximos dez anos. Destes, US$ 6 bilhões serão aplicados em construção, US$ 8 bilhões em ferrovias e US$ 5 bilhões em exploração de petróleo. Até o fechamento desta edição, não havia sido definido, ao menos publicamente, se entre a contrapartida para a realização dos investimentos está a exigência de reconhecimento da China como economia de mercado. Nas últimas semanas, o governo argentino criou expectativa em relação a um "megaanúncio" de investimentos da China, e autoridades chegaram a mencionar a cifra de US$ 20 bilhões, depois desmentida por funcionários chineses. Entre os documentos assinados está um instrumento para facilitar o ingresso de turistas chineses na Argentina. Também foi criado um grupo de trabalho para estudar complementação econômica e comercial entre os dois países. Para os argentinos, um reconhecimento da China como economia de mercado diminuirá a possibilidade de usar instrumentos de defesa comercial contra a entrada de produtos do país asiático a preço baixo, o que prejudica a produção local. "Lula violou o Mercosul, porque não pode dar [à China] um status superior ao que fixa a OMC", disse Pedro Waisman, diretor da câmara de produtores de bicicletas e motos. O setor recebe proteção contra a competição chinesa. A União Industrial Argentina (UIA) alertou que o governo deve aceitar acordos que sejam benéficos para o país, mas com cautela. "A China é uma economia muito grande, e, depois de ver o que aconteceu no Brasil, acredito que é preciso fazer as coisas a passos lentos para proteger a indústria nacional", disse Héctor Mendez, vice-presidente da UIA. O jornal "Ámbito Financiero", que costuma elogiar a ortodoxia econômica da gestão de Lula ao mesmo tempo que reflete os interesses do empresariado local, disse que são poucas "as pequenas e médias empresas que podem competir com os produtos brasileiros, e estão condenadas a desaparecer se tiverem de fazê-lo com a China". "É perigoso reconhecer a China como economia de mercado devido à competitividade que oferecem os valores dos produtos asiáticos", disse o presidente da Confederação Argentina da Média Empresa, Osvaldo Cornide.