Título: O retorno econômico de uma educação de qualidade
Autor: Naercio Aquino Menezes Filho
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Opinião, p. A10

Cada ano a mais de escolaridade aumenta o salário médio dos brasileiros em 12%

A educação é um dos fatores que têm mais influência na vida das pessoas e dos países. Vários estudos mostram que as pessoas com mais escolaridade tendem a ter um salário maior, uma família menor, uma saúde melhor, um menor envolvimento em atividades criminosas, enfim, uma vida melhor. Além disto, países com uma população mais educada tendem a ser menos desiguais, serem mais avançados tecnologicamente, terem uma produtividade maior, enfim, crescerem mais com menos injustiças. No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, sabemos que a educação explica cerca 50% da desigualdade existente, pois a educação é mal distribuída e as diferenças salariais associadas à educação estão entre as mais altas do mundo. Os dados da PNAD de 2004 recém divulgada pelo IBGE, por exemplo, mostram que cada ano a mais de escolaridade aumenta o salário médio dos brasileiros em 12%, para o resto de suas vidas. Este aumento médio, no entanto, varia muito com os níveis educacionais. Um indivíduo com mestrado de três anos, por exemplo, tende a ganhar duas vezes mais do que uma pessoa com nível superior completo e cinco vezes mais que uma pessoa com ensino médio completo. O ensino médio completo, por sua vez, aumenta o salário médio em "apenas" 35% com relação ao ensino fundamental completo. Por que esses diferenciais de salário associados à educação são tão grandes no Brasil? A explicação mais plausível é que as firmas brasileiras necessitam de uma mão-de-obra mais educada, devido ao processo de industrialização intensivo em capital escolhido no passado, mas não a encontram no mercado de trabalho. Prova disto é que uma pessoa com o ensino fundamental completo ganhava em 1960 (quando somente 5% da população alcançava este nível) duas vezes e meia mais do que uma pessoa com o ensino primário, ao passo que hoje em dia esta diferença é de apenas 40% em média. Por outro lado, uma pessoa com ensino superior ganhava em 1960 duas vezes mais do que uma pessoa com ensino médio, diferença que está em duas vezes e meia hoje em dia. Alguns comentaristas afirmam que o aumento do retorno salarial do ensino superior refletiria uma deterioração da qualidade do ensino médio. Esta afirmação, entretanto, não encontra respaldo nos dados do Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), pois, apesar do número de matrículas no ensino médio ter mais que duplicado entre 1995 e 2001, as notas médias do Saeb mantiveram-se basicamente constantes no mesmo período. Outros comentaristas afirmam que o declínio dos diferenciais de salário do ensino médio refletiria uma perda da importância da educação, pois as pessoas estariam educando-se em troca de nada. Neste caso, é importante ressaltar, em primeiro lugar, que o declínio dos diferenciais de salário associados à educação é uma coisa boa, pois contribui para a redução da desigualdade. Isto não significa que uma pessoa com ensino médio esteja ganhando menos em termos absolutos ao longo do tempo. Além disto, uma pessoa com ensino médio continua a ganhar bem mais, em média, do que uma pessoa analfabeta, e vai usufruir de todos os benefícios associados a uma maior educação, apontados no início desse texto.

Investimento em capital humano tende a aumentar o crescimento econômico, através do crescimento da produtividade

Ouve-se muito também que, pela falta de crescimento econômico, os investimentos em capital humano são desperdiçados, pois os mais educados acabam ficando desempregados. Os dados da PNAD realmente mostram que a taxa de desemprego é maior entre aqueles com ensino médio do que tanto entre os analfabetos como entre as pessoas com nível superior. Isto ocorre porque, como vimos, a proporção de pessoas com ensino médio cresceu muito nos últimos anos e estas pessoas ainda esperam ter acesso a ocupações que eram típicas de ensino médio há algum tempo. Para que o desemprego entre as pessoas com ensino médio caia é necessário que elas aceitem ocupações com menor nível de qualificação, que a transição para o ensino superior aumente e que o país como um todo cresça, para aumentar o emprego em todos os níveis educacionais. Aqui é importante salientar dois pontos. O primeiro é que o investimento em capital humano tende por si só a aumentar o crescimento econômico, através do crescimento da produtividade. O segundo é que se o crescimento ocorrer através da adoção de novas tecnologias, isto vai aumentar ainda mais a demanda por trabalhadores com nível superior e mestrado, o que vai aumentar ainda mais os diferenciais de salário e de emprego entre estes trabalhadores e aqueles com ensino médio. Na verdade, o país perdeu muito tempo pensando em políticas industriais e regionais quando na verdade deveria ter feito como a Coréia, que investiu maciçamente em educação deste o começo do século passado. Finalmente, algumas palavras sobre a qualidade da educação. Muitos analistas mostram, com argumentos convincentes, que a qualidade é mais importante que a quantidade de educação. Se for assim, a massificação do ensino fundamental e médio diminuiria a desigualdade no Brasil, mas não se traduziria em maior crescimento econômico. Como podemos melhorar a qualidade das escolas públicas brasileiras? Atrair e reter os melhores professores para a rede pública parece ser a chave da questão. Mas fazê-lo somente aumentando os salários não parece ser melhor saída, pois isto seria como um ganho vindo do céu, sem contrapartida. A solução parece ser mudar a gestão nas escolas públicas, fazendo com que os salários dos professores e a sua progressão na carreira dependam do seu desempenho, medido pelas notas de seus alunos. Isto valeria inclusive para o nível superior. Além disto, um sistema de avaliação universal, com a divulgação das notas de todas as escolas para os pais dos alunos, também ajudaria muito. Mas a implementação de mudanças deste tipo enfrentaria resistências muito grandes em vários setores da sociedade e necessitaria de um capital político muito grande.