Título: Governo Lula deixará poucos avanços institucionais
Autor: Gustavo Loyola
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Opinião, p. A11

Findo o terceiro ano da administração petista, é possível fazer um balanço ainda que preliminar do governo Lula. Lamentavelmente, os avanços institucionais no último triênio estiveram muito aquém do necessário para assegurar uma trajetória de crescimento sustentado da economia brasileira nos próximos anos. O pleno desenvolvimento de uma economia capitalista no mundo contemporâneo exige a presença simultânea de pelo menos três fatores fundamentais: estabilidade macroeconômica, integração competitiva da economia ao exterior e existência de um Estado eficiente e eficaz no provimento de um clima favorável às transações nos mercados. Até 1994, faltava-nos a estabilidade macroeconômica. Com o Plano Real, o crônico processo inflacionário foi superado e uma relativa estabilidade monetária, implantada em nosso país. Apesar dos episódios de crise da última década (Rússia, mudança do regime cambial, Argentina, "apagão" etc.), a economia se mostrou resiliente sob o ponto de vista monetário, tendo o Brasil passado a viver taxas "normais" de inflação. O governo Lula está tendo o inegável mérito de consagrar o princípio da responsabilidade monetária e fiscal. Ao contrário do primitivo programa do PT, utilizado à exaustão como "arma" pelo partido quando na oposição, Lula na presidência optou claramente pela preservação das boas regras de conduta nas áreas fiscal e monetária. O BC seguiu atuando com autonomia e os superávits primários até superam os resultados do último quadriênio de FHC. Tal continuidade parece confirmar que o Brasil teria ingressado no pequeno grupo de países latino-americanos infensos a aventuras de populismo econômico. De fato, é preciso muito esforço de imaginação para acreditar que um exemplar de "perfeito idiota latino-americano" possa aqui chegar à Presidência da República e repetir as experiências desastrosas de um Alan Garcia ou de um Hugo Chávez. A formação desse relativo consenso nas políticas macroeconômicas não significa que todos os problemas estejam resolvidos e nem que haja desaparecido o espaço para o discussão nesse campo. Porém, já basta o fato de os agentes econômicos terem eliminado de seus cenários sobre o futuro a possibilidade de uma recaída populista para que o país tenha sido alçado a um patamar potencialmente superior, em termos de perspectiva de crescimento econômico sustentado. Sob o prisma do crescimento econômico, contudo, não tem sido suficiente a execução responsável da política macroeconômica. O fato de o Brasil estar apresentando taxas de crescimento do PIB inferiores à média mundial, mesmo nas atuais circunstâncias conjunturalmente favoráveis dos mercados internacionais, é indício forte de que algo falta no "molho" das políticas públicas brasileiras.

Lula difere de FHC pela falta de discurso unificador das políticas governamentais e isso provoca ações contraditórias que anulam seus resultados

Nesse ponto é que residem os pecados do governo Lula. Ao contrário da tônica da continuidade característica da política macroeconômica, percebe-se uma mudança de rumo da administração Lula em relação à prática do governo anterior no que diz respeito à abertura econômica e, mais enfaticamente, à definição do papel do Estado. Em nenhuma dessas duas áreas houve o rompimento "com fanfarras" que se poderia antever do velho programa do PT. As privatizações não foram desfeitas, nem houve a adoção generalizada de medidas protecionistas ou de restrição ao fluxo de capitais internacionais. Ao contrário, o que difere Lula de seu antecessor é a falta de um discurso unificador das políticas governamentais, daí advindo ações contraditórias cuja resultante acaba sendo nula. Até o governo FHC, percebia-se uma contínua, ainda que lenta, reforma do Estado no Brasil, que deixava de ter um papel de empresário em setores "de interesse nacional" para se dedicar aos seus papéis típicos, como o de agente regulador dos mercados. Lula interrompeu essa trajetória evolutiva, por exemplo, ao enfraquecer a autonomia das agências reguladoras e politizar as indicações para seus cargos de direção. No setor elétrico, adotou um modelo que prestigia o investimento das empresas estatais e aumenta o risco para os inversores privados. O mesmo viés contra o setor privado pôde ser observado em outras áreas como, por exemplo, na proposta de reforma universitária encaminhada ao Congresso. Mas, ao mesmo tempo e paradoxalmente, o governo petista fez aprovar um projeto de PPP para atrair investimento privado para infra-estrutura e serviços públicos! As diversas visões internas do governo sobre o mercado e sobre o papel do Estado contribuíram para atrasar a implantação das PPPs, assim como de outras medidas que poderiam ter ajudado no aumento do investimento. Relembre-se que, no início do governo, o então ministro dos Transportes apontava o Exército como a saída para o problema das rodovias brasileiras; três anos depois, reconhece o governo federal que o problema é bem mais complexo e que talvez seja uma boa idéia voltar ao programa de concessão de rodovias semelhante ao praticado no governo anterior. Por outro lado, a falta de avanços em algumas das reformas essenciais tem prejudicado a competitividade do país nos mercados internacionais. Nada avançamos nas reformas trabalhista e fiscal, o que mantém as empresas brasileiras sujeitas a um ônus regulatório e tributário incompatível com as necessidades da competição numa economia globalmente integrada. Mesmo reconhecendo a complexidade das reformas e o poder de veto dos grupos por elas afetados, parte da paralisia do processo pode ser debitado à ausência de convicção firme do governo sobre o rumo a tomar. Por tudo isso, e ainda que registrando o esforço de alguns ministros para pôr em prática políticas compatíveis com as necessidades de uma economia de mercado, o balanço do governo Lula é decepcionante. Tudo indica que nada resta a não ser esperar que o Ano Novo traga um pouco mais de coerência e de rumo às políticas públicas brasileiras.