Título: O triunfo de Sharon
Autor: Barry Rubin
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Opinião, p. A11

Era de pragmatismo israelense iniciada pelo premiê não terminará com o seu afastamento

O derrame incapacitante do primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon mais uma vez tumultuou a política israelense. Ou assim parece. Sharon era considerado um vitorioso certo nas eleições programadas para março, para as quais ele organizou o seu próprio partido, o Kadima ("Avante"), atraindo figuras de destaque do Partido Trabalhista, à esquerda, e do Likud, à direita. Mas será que o seu afastamento da vida pública realmente será tão desestabilizador como sugerem muitos observadores? Sem dúvida, foi o poder de atração pessoal de Sharon que tornou o Kadima popular. Suas credenciais conservadoras e nacionalistas sustentaram a sua credibilidade perante a direita, ao passo que a sua estratégia de segurança - com a retirada total da Faixa de Gaza - atraiu apoiadores da esquerda. Resumindo, Sharon era o candidato ideal: um líder que conciliou uma abordagem conciliadora com uma aparência de falcão. O afastamento prematuro de Sharon, no entanto, não reverteu de forma alguma as mudanças políticas e estratégicas fundamentais que ele iniciou. No curto prazo, se por um lado o Kadima receberá menos votos sem Sharon no comando, alguns eleitores, por sua vez, serão tomados por um sentimento de simpatia pelo líder fragilizado. Realmente, as pesquisas indicam que o partido ainda poderá chegar em primeiro lugar. Além disso, o Kadima ainda conta com um triunvirato impressionante no topo da sua lista. O premiê em exercício Ehud Olmert, um veterano político dissidente e ex-prefeito de Jerusalém, inspirou várias iniciativas de Sharon. Shimon Peres, um ex-premiê e ex-líder do Partido Trabalhista, exerce um poder de atração sobre muitos eleitores da esquerda. O ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e ministro da Defesa Shaul Mofaz entra com a experiência em segurança. Suas diferenças serão mais difíceis de conciliar sem Sharon, porém eles cerraram fileiras e poderão perfeitamente conduzir o Kadima à vitória. Ao mesmo tempo, os principais candidatos alternativos na esquerda e na direita já se posicionaram longe demais nos extremos para recuperarem o centro facilmente. À esquerda está Amir Peretz, do Partido Trabalhista, um populista, líder de uma federação sindical, com pouca experiência de liderança nacional e ainda menos familiarizado com questões de segurança. Muitos israelenses duvidam da sua capacidade de liderar o país. Havia uma expectativa geral de que o Partido Trabalhista chegaria em segundo lugar na eleição e que formaria uma coalizão com o Kadima. Sem Sharon, Peretz poderá ter maior influência na parceria, especialmente se considerarmos que Olmert tem demonstrado maior disposição que Sharon em apoiar mudanças políticas vistas como conciliadoras. Uma coalizão Kadima-Trabalhista teria os seus problemas, porém ainda poderia formar a base de um governo sólido. À direita está Bibi Netaniahu, um ex-primeiro ministro e líder do Likud, o antigo partido de Sharon. Há um ano, parecia certo que Netanyahu sucederia a Sharon. Sua oposição à retirada da Faixa de Gaza, aliada à sua forte postura crítica a Sharon, custaram-lhe sua posição de legítimo herdeiro.

Diferenças entre os três líderes do Kadima serão mais difíceis de conciliar sem Sharon, mas eles ainda poderão perfeitamente conduzir o partido à vitória

Para conquistar o controle do Likud remanescente, Netanyahu precisou se deslocar radicalmente para a direita. No longo prazo, Netanyahu poderá ascender mais uma vez ao topo em uma era pós-Sharon, se for capaz de reconquistar o centro. Nas eleições que se aproximam, porém, ele provavelmente será deixado de fora, no ostracismo. O que é mais importante, a continuidade na frente política provavelmente se estenderá à estratégia e à política. Sharon personificou um novo consenso nacional, aceito por pelo menos dois terços da população, que reflete mudanças arraigadas no país e na sua situação. Da esquerda vem o conceito de que, em troca de uma paz plena, Israel estará disposto a se retirar da maioria dos territórios conquistados em 1967 e a aceitar um Estado palestino. Da direita, o consenso reconhece que atualmente não existe nenhum parceiro palestino para uma paz real. A defesa de uma retirada territorial pela esquerda ganhou peso como resultado de um reconhecimento generalizado de que se ater às terras, especialmente às áreas palestinas habitadas, não serve ao interesse nacional. Israel não pretende reivindicar essas terras no futuro, jamais extraiu qualquer benefício econômico delas e agora considera a sua permanência lá um problema, não uma vantagem. Com o fim da Guerra Fria, com o desaparecimento da União Soviética e com o mundo árabe enfraquecido, uma guerra convencional contra as forças armadas dos países árabes não é mais provável, o que torna obsoletas as considerações estratégicas por trás da ocupação destes territórios por Israel. Ao mesmo tempo, contudo, não existe nenhuma hesitação a respeito de travar uma dura guerra defensiva contra o terrorismo palestino. Israel completará o seu muro de segurança defensivo e revidará contra os terroristas e os que lançarem mísseis contra objetivos civis israelenses. Ninguém acredita que o líder palestino Abu Mazen pode fazer ou que fará algo para impedir esses atentados. Na verdade, entende-se tanto na esquerda como na direita que ele e seus pares não cumprirão nenhum compromisso que assumirem. O movimento palestino está se desintegrando, os radicais estão assumindo o controle e ninguém está disposto a selar a paz. A má notícia, portanto, é que o conflito se prolongará por décadas, graças à intransigência e ao caos crescente no lado palestino. A boa notícia é que Israel pode se defender com um número relativamente baixo de vítimas, sua economia está melhorando e o turismo vem se recuperando. Enquanto o extremismo e a anarquia palestinos vão se tornando mais claros, a postura de Israel poderá conquistar maior simpatia internacional, fortalecendo as perspectivas para o estabelecimento de melhores relações com o mundo árabe e o Ocidente. Foi Sharon quem sentiu uma mudança súbita na opinião dos israelenses e agiu em função disso. Sharon, porém, foi o mensageiro, não a mensagem. A era de pragmatismo israelense que ele iniciou não terminará com o seu afastamento.