Título: Disputa ideológica pode paralisar reforma da Lei do Cooperativismo
Autor: Mauro Zanatta
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Agronegócios, p. B11

Política Agrícola Agronegócios e agricultura familiar estão novamente em rota de colisão

O racha ideológico que opõe agronegócio e agricultura familiar desde o início do governo Lula ameaça paralisar a reforma da Lei do Cooperativismo no Congresso. No centro da disputa política estão as divergências sobre o registro único das cooperativas e a unicidade de representação, ambas hoje concentradas na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). O projeto de reforma está na pauta de votações da convocação extraordinária do Congresso. De um lado da contenda está o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, referência em cooperativismo e aliado do presidente da OCB, Márcio Lopes de Freitas. De outro, um grupo alinhado à esquerda do governo e liderado pelo secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho, Paul Singer, pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, e por José Graziano, assessor especial do presidente. Todos em defesa da recém-criada União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafs). O grupo de Singer, Rossetto e Graziano defende a livre filiação das cooperativas, sem a necessidade das "bênçãos" da OCB e do registro obrigatório nas juntas comerciais estaduais. "A unicidade de representação deve se dar a partir da vontade de quem é representado. Isso gera divisão interna", diz José Paulo Crisóstomo Ferreira, presidente da Unicafs. "Elas estão filiadas à OCB por causa da lei, não por vontade própria", afirma. Rodrigues e Freitas temem abrir um precedente para uma debandada de parte das 7,5 mil cooperativas divididas em 13 ramos. "Representação política cada um busca a sua. Não se faz por decreto, mas por competência. Vamos defender a unicidade de registro e de cadastro", afirma o presidente da OCB. Crisóstomo, da Unicafs, não aceita. "É abusivo, porque dá poder para registrar, liquidar, fiscalizar e constituir as cooperativas". Mas a OCB acena com um acordo para avançar na reforma da lei. "Podemos abrir mão da filiação à OCB. Hoje, há quase duas mil cooperativas sem filiação, o que é irregular pela lei atual", lembra Freitas. A Unicafs sustenta que o número de descontentes é maior - cerca de 16 mil cooperativas estão fora do sistema OCB -, mas já fala em uma alternativa ao registro. "Podemos ter um cadastro único nacional gerido por um conselho nacional com participação do Estado, mas com certificados individuais para cada singular", diz Ferreira. Para ele, a OCB tem "relação muito forte" com as juntas comerciais. "Se a cooperativa não for filiada à OCB, a junta não registra". Contraponto à OCB, a Unicafs nasceu do Fórum Nacional das Cooperativas de Crédito e Economia Solidária, composto por 160 mil filiados da Cresol (região Sul), Integrar (Nordeste), Ascoob (Bahia), Creditag (ligada à Contag), Ecosol (controlada pela corrente Democracia Socialista da CUT) e Crenor (ligada ao MST). A Unicafs reúne 700 cooperativas e mais de 1 milhão cooperados, a maioria nas áreas agrícola e de crédito. Há temas menos complicados na reforma da lei, mas que também têm causado problemas entre as representações. A Unicafs, por exemplo, é contra permitir aporte de capital de fora dos cooperados. "É relevante para o cooperativismo empresarial, não para a agricultura familiar e a economia solidária. Aportes externos podem interferir no destino da cooperativas", diz Crisóstomo. A OCB rebate: "Não tem sentido. Porque não pode ter uma pessoa jurídica nos quadros. Meu pai, por exemplo, tem uma agropecuária por causa dos incentivos fiscais. Devemos permitir e não podemos nos fantasiar de puritanos", afirma Freitas. Para a Unicafs, também há problemas com a contribuição feita à OCB por meio de um percentual sobre o faturamento e o capital social de cada cooperativa. "Isso inviabiliza as pequenas cooperativas", diz. A OCB afirma que há custos de representação que precisam ser levados em conta.