Título: A luta diária para documentar o conhecimento
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Finanças, p. C8

Dois "mundos" trabalham juntos no IRB atualmente. Dos 496 funcionários, 327 são remanescentes do último grande concurso público, realizado em 1976. Do restante dos funcionários, 140 entraram em um concurso realizado em 2004 e 29 são Assessores Especiais de Diretoria (AED), nomeados em cargos de confiança. Os remanescentes de 76 são pessoas mais velhas e experientes, que guardam consigo toda a história e o conhecimento acumulado e herdado da geração anterior. Por falta de investimentos, boa parte desse conhecimento não foi sistematizada ou documentada e muita coisa ainda está em papel, sequer foi informatizado. Está na cabeça de pessoas que logo vão sair: Hermes dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Resseguros (Sintres), calcula que aproximadamente 200 empregados vão se aposentar entre 2006 e 2009. Para amenizar essa perda de profissionais, o IRB abriu um concurso para contratação de 43 pessoas. Fundado em 1939, por decreto do presidente Getulio Vargas, o IRB vinha passando por um processo de modernização lento, atrasado por um longo período (1998-2002) em que foi colocado e depois retirado do Programa Nacional de Desestatização (PND). Nessa época, não só o governo federal não investiu recursos novos como ainda esvaziou a estatal de boa parte de funcionários mais experientes, através de um plano de demissões voluntárias (PDV). Para os que ficaram, a administração ofereceu incentivos financeiros para quem abrisse mão da estabilidade. Poucos optaram pela estabilidade, entre eles uma senhora, de quase 60 anos, contratada por um concurso anterior ao de 1976 para corrigir erros de português das cartas enviadas aos clientes - antigamente o IRB mandava cartas manuscritas para os clientes - e que ainda está na ativa. Pertencente ao grupo dos remanescentes de 1976, Sebastião Furtado Pena, gerente de Estratégia, se diz bastante animado. Aos 50 anos de idade, capixaba nascido no município de Alegre, Furtado chegou ao Departamento de Incêndio do IRB depois de formado em Educação Física e especializado em informática. Passou por dois grandes "tsunamis" que atingiram a estatal, o PDV aberto pelo governo Fernando Collor de Mello (1990-1992), que levou embora 800 funcionários e praticamente esvaziou o IRB. Depois, em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o longo e frustrado processo de privatização da estatal. "O fantasma da privatização ficou pairando no ar", define Sebastião. Ele garante que não é contra a abertura do mercado de resseguros, mas é contra a venda do IRB. "Significaria apenas vender uma empresa brasileira para um ressegurador internacional", afirma, num discurso que remonta à fundação do IRB em 1939, primeiro governo Getúlio Vargas: "O ideal é preservar o IRB como empresa nacional, que é o modelo atual. Por quê? Porque o mercado segurador em 1939 estava sendo usado para fazer remessas de dinheiro para o exterior", recorda. De fato, em 1939 as seguradoras (na maioria estrangeiras) remetiam a produção em prêmios captada no país para suas matrizes no exterior e recusavam fiscalização oficial. Vargas então criou a legislação que constituiu o arcabouço institucional para a criação de um legítimo mercado segurador brasileiro e criou o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) com a missão de regular o seguro e o resseguro e desenvolver o mercado nacional. Sebastião é daquele grupo que herdou das gerações anteriores todo um conhecimento que agora tem que ser passado para frente, para a continuidade da empresa. Do outro lado estão profissionais como Leandro de Andrade Carvalho, 28 anos de idade, coordenador de Riscos e Controles Internos, Genaro Lins, 30 anos, e Eduardo Ribeiro, 36 anos, doutores em Estatística, que estudam a aplicação, por exemplo, da Teoria dos Jogos na análise de comportamentos e riscos. Economista formado na UERJ, com pós-graduação em auditoria, filho de uma família de corretores de seguros, Leandro corre contra o tempo para sistematizar e organizar o conhecimento dessa geração que vai se aposentar. "Nossa meta é mapear todo o IRB, seus procedimentos e rotinas, até junho de 2006 e completar todos os manuais até o fim do ano". Leandro explica que sua atividade não se limita a "colocar no papel" os processos e rotinas mas também entender por que elas existem, estudar e analisar os normativos e depois propor novas rotinas. "É um ritmo frenético. É como no (filme) Matrix, em que você implanta sistemas nas pessoas para que elas aprendam em dez minutos o que levariam dez anos para aprender", compara. Na verdade, essa equipe trabalha para tirar a operação do IRB do papel. "O objetivo final do nosso trabalho é anular os processos manuais e, de certa forma, fazer com que os funcionários se dediquem mais à atividade fim. Há processos em que você tem que conferir 40 mil registros manualmente", descreve Paulo Roberto Fleury, um carioca de 43 anos, funcionário da área de fiscalização da Susperintendência de Seguros Privados (Susep), emprestado ao IRB para organizar a área de compliance. A garantia do governo Lula de que não pretende privatizar o IRB parece ter conquistado a equipe da estatal para a causa da abertura do mercado de resseguros - ou pelo menos quebrado as fortes resistências existentes anteriormente. Ainda há um grupo de céticos e desinteressados no processo entre os funcionários - grande parte entre os que estão à beira da aposentadoria. Mas também há um visível ânimo de outra grande parcela, especialmente os remanescentes do concurso de 2004, com as mudanças propostas pelo presidente Marcos Lisboa para preparar a estatal para a abertura. Na reunião de fim de ano com os funcionários, dia 21 de dezembro no auditório do do edifício, Lisboa apresentou sua nova política salarial para uma platéia de quase 300 pessoas. A novidade é a "premiação por produtividade", que remunera o funcionário proporcionalmente ao alcance de metas preestabelecidas. A medida já foi aprovada pelo Conselho de Administração do IRB e agora um grupo de trabalho, formado por profissionais da empresa, está desenhando cada uma das metas de produtividade a serem estabelecidas para cada departamento para vigorar ainda neste primeiro semestre. (JR)