Título: Os passos do IRB rumo à abertura
Autor: Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2006, Finanças, p. C8

Resseguros Estatal está passando por uma profunda reorganização interna para enfrentar a concorrência

Uma profunda reorganização interna está em curso no IRB-Brasil Re , como preparativo para a abertura do mercado de resseguros brasileiro à concorrência. Conceitos de "compliance" (conformidade ou sistema de controles internos), transparência, metas para todas as áreas e ganhos de produtividade estão sendo implantados na companhia, fundada há 67 anos por decreto de Getúlio Vargas. As mudanças encontram reações que vão do desinteresse a engajamento total entre seus quase 500 funcionários (leia texto abaixo). Na presidência da estatal desde maio de 2005, o economista Marcos Lisboa afirma que as mudanças visam colocar o IRB em pé de igualdade com as grandes multinacionais do setor e que não está ali para fechar a companhia. Ao contrário, diz, o objetivo é criar as condições que garantam sua sobrevivência na abertura. Para ajudar na tarefa, Lisboa trouxe um time de especialistas que inclui o ex-chefe da mesa de "open market" do Banco Central (BC), Eduardo Nakao, e Cesar Saad, ex-diretor da Unibanco AIG Seguros, para trabalhar ao lado dos maiores especialistas em resseguros do país, formados dentro do próprio IRB, como Francisco Aldenor, diretor de Riscos e Sinistros, e Vandro Cruz, diretor de Riscos e Propriedades. Várias mudanças foram implementadas, levantando a "poeira" de cada um dos departamentos da sexagenária estatal. Uma das mais importantes foi a ampliação do contrato de "Property" (propriedade), o mais importante do IRB, que compreende os grandes riscos industriais, de US$ 200 milhões para US$ 300 milhões por risco, aumentando seu poder de atuação. Isso contrariou o mercado, que esperava uma retração, e não um avanço do IRB às vésperas da abertura. "Nosso objetivo é fortalecer o IRB e garantir sua capacidade de concorrer em um mercado aberto", responde Lisboa, frisando que não foi colocado ali para esvaziar a empresa. O monopólio do resseguro já foi quebrado, mas a abertura do mercado para a atividade de empresas privadas, nacionais e estrangeiras, depende ainda da aprovação de um projeto de lei complementar (249/2005) enviado pelo Executivo ao Congresso. O projeto regulamenta a abertura e estabelece uma reserva de 60% do mercado para o IRB durante os primeiros dois anos depois da sanção da lei. O Brasil é o último grande país que ainda mantém monopólio de resseguro. Os outros são Cuba e Costa Rica. Enquanto o Congresso não vota o projeto, Lisboa corre contra o relógio para atualizar a empresa e aproveitou espaços na legislação atual para estabelecer uma semi-abertura. Primeiro, permitiu que as próprias seguradoras acessem diretamente o mercado internacional para fazer cotações de seus contratos, sem passar previamente pelo IRB. Antes os contratos eram obrigatoriamente entregues primeiro ao IRB, que fazia tudo, desde a cotação até o fechamento do negócio. Outra mudança importante foi a contratação dos corretores (ou "brokers"). Antes a presença de "brokers" era obrigatória e só o IRB podia indicar as corretoras que intermediariam as operações. Agora a seguradora é que indica o "broker", se achar que isso é necessário. "Quem paga tem o direito de escolher", tem dito Lisboa. Na nova gestão, o IRB passou a centrar esforços em seus maiores e mais rentáveis contratos - o "Property", o Aviação, que atende às companhias aéreas de carreira, o Marine, para as empresas de transportes de carga de importação e exportação, Vida e Responsabilidade Civil. Outros contratos de pequena monta e não prioritários foram deixados para que as seguradoras negociassem diretamente. São os chamados no jargão técnico de "Facilities", contratos simplificados em que as condições são predeterminadas, mas os preços são fechados fora do país, pelas resseguradoras estrangeiras. O IRB exige apenas que as resseguradoras contratadas lá fora atendam a padrões mínimos de solvência e credibilidade para dar o "ok" final ao processo. "O IRB não tem interesse nestes produtos, então ele dá liberdade para a contratação direta no exterior", explica Luis Alberto Mourão, diretor de Riscos Industriais da Mapfre Seguros. Foi com base em um desses "facilities" que a Mapfre conseguiu montar e trazer o seguro contra "hackers", recém-lançado no país. Em geral, as mudanças foram bem-recebidas pelo mercado, especialmente a abertura dos contratos facultativos e a seleção de corretores. O valor do "broker" deixa de ser trânsito político e passa a ser competência técnica, comenta Luiz Eduardo Veloso, diretor executivo da Unibanco AIG. "Toda concorrência é boa, ainda mais em um mercado tão concentrado como o brasileiro, em que as dez maiores seguradoras têm 75% do faturamento", comentou Milton Bellizia, presidente da Marítima Seguros. Para ele, a abertura em resseguros vai criar espaço para todas as outras mais de cem companhias que hoje estão limitadas pelo tamanho de seu patrimônio para expandir a produção de seguros. A possibilidade de repassar riscos diretamente no mercado internacional alavanca o potencial de negócios de todas as companhias de seguros brasileiras, acredita Bellizia: "Se o risco é bom, as resseguradoras aceitam, independente do tamanho da seguradora." Os próximos passos nos preparativos para a abertura são aumentar a participação das seguradoras domésticas nos riscos mais rentáveis assumidos pela estatal - "retrocessão interna" no jargão técnico - e avançar na gestão financeira das reservas, reduzindo a exposição do IRB à variação do câmbio, afirma Lisboa. O IRB repassa para o mercado internacional a maior parte dos riscos que assume internamente. Segundo Lisboa, o IRB tem mais ativos do que obrigações em moeda estrangeira em seu balanço patrimonial. Ele não revela os números - um novo posicionamento adotado por ele, de não antecipar números de balanço e não revelar dados considerados estratégicos, a exemplo do que fazem outras companhias abertas. Mas diz que a relação é cerca de dois terços em dólares e um terço em reais. Operacionalmente, o volume de receitas (prêmios de resseguros) e de pagamento de indenizações é, porém, equilibrado "meio a meio" entre moeda local e estrangeira. "Temos que equilibrar isso para que a estrutura temporal dos ativos seja consistente com as obrigações. Do contrário, ficamos expostos à volatilidade cambial", afirmou. Por causa desse "desbalanço", o IRB fechou 2005 com significativa queda de receitas e lucros, reflexo da persistente desvalorização do dólar frente ao real - os números só serão divulgados em março, diz Lisboa. A tarefa de elaborar uma estratégia de recomposição dos ativos em reais está nas mãos de Eduardo Nakao, o lendário personagem do mercado financeiro no tempo da hiperinflação, quando era o homem que tomava decisões por trás da poderosa mesa de mercado aberto do BC, no Rio de Janeiro. Aposentado, Nakao foi convidado por Lisboa em junho para comandar a tesouraria do IRB. Ele diz que está trabalhando de dez a doze horas por dia para "uniformizar a linguagem, maximizar as receitas e adaptar os procedimentos da mesa de operações do IRB às práticas de mercado". O objetivo "é procurar fazer um hedge cambial da forma mais eficiente e menos custosa possível". Por lei, o IRB só pode operar no mercado com suas reservas via Banco do Brasil (BB).