Título: Mercado vê supercrescimento
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 11/05/2010, Economia, p. 14

Analistas refazem as contas e projetam que o Brasil terá, neste ano, a maior expansão econômica desde 1986. Mas há sinais de descontrole

O Brasil pode ter, em 2010, o maior crescimento econômico dos últimos 24 anos. Com a previsão de inflação em alta ¿ uma aposta que já dura 16 semanas ¿, o mercado financeiro passou a projetar expansão de 6,26% para o Produto Interno Bruto (PIB), taxa que não se vê deste 1986, ano do Plano Cruzado. Até a semana passada, os quase 100 analistas e consultores ouvidos pelo Banco Central, por meio da pesquisa Focus, estimavam avanço de 6,06%. Foi a oitava revisão seguida.

O problema dessa pujança toda, segundo os economistas, é que ela não é sustentável, pois pode vir acompanhada de um surto inflacionário, o qual o Banco Central já está tentando evitar por meio do aumento da taxa básica de juros (Selic), que passou de 8,75% para 9,50% ao ano. Para o economista-chefe da Personale Investimentos, Carlos Thadeu Filho, é preciso ter cautela e não se deixar contaminar pela euforia, permitindo que a situação corra frouxa somente porque este é um ano de eleição e o governo está empenhadíssimo em fazer da petista Dilma Rousseff a sucessora do presidente Lula.

Na avaliação de Thadeu, quando se analisa detalhadamente os atuais números da economia, percebe-se distorções, mas nada que seja motivo de alarde, pelo menos por enquanto. ¿Não estamos diante de uma bolha de crescimento¿, afirmou. ¿Na verdade, o que vemos é uma recuperação cíclica da atividade depois do forte tombo provocado pela crise mundial. Acredito que, ao longo do tempo, o crescimento perderá parte do fôlego, até porque o BC tenderá a pesar a mão para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%¿, acrescentou. ¿O tamanho e a intensidade do aperto monetário será maior, com a Selic ficando entre 13% e 14%.¿

Para o economista da Personale, o Brasil só teria capacidade para crescer por um período prolongado a taxas superiores a 6% ao ano se os investimentos produtivos fossem mais fortes. ¿Infelizmente, não é o que se vê. Bastou o país deixar a crise para trás para que o uso da capacidade instalada da indústria encostasse no limite¿, ressaltou. A seu ver, com o atual tamanho do parque produtivo brasileiro só é possível crescimento entre 3,5% e 4% ao ano para que a inflação fique próximo ao centro da meta. ¿Acima disso, a expansão do PIB deixa de ser benéfica, com a economia passando a sofrer efeitos colaterais¿, frisou

Resistência O economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto, é da mesma opinião. No seu entender, há muitos problemas no supercrescimento da economia, principalmente quando se olha para as contas públicas. O governo está gastando demais, tornando o consumo excessivo. ¿O ideal seria que o governo tivesse um papel neutro e o ritmo da atividade fosse ditado pelo setor privado, capitaneado pela indústria. Mas, da forma como está hoje, o crescimento acima de 6% não é sustentável. Gera desequilíbrio e leva à inflação e ao aumento do deficit nas contas externas (pela necessidade de mais importação)¿, observou.

Como o governo ainda tem se mostrado bastante reticente em relação ao corte de gastos ¿ apesar das declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesse sentido (veja texto nesta página) ¿ Campo Neto disse que o ônus do ajuste ficará a cargo do BC. ¿Não será surpresa nenhuma se o Banco Central for obrigado a fazer um ajuste mais intenso por um período mais longo¿, ponderou. O economista, inclusive, já reviu para cima o aumento da carga de juros. ¿Vai subir pelo menos três pontos, podendo ultrapassar esse patamar¿, afirmou.

É esse aumento mais forte dos juros que leva economistas a resistirem em rever a estimativa de crescimento para o PIB em 2011 ¿ ela se mantém em 4,5% há 22 semanas. Em meio a esse quadro, a projeção de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para este ano subiu de 5,42% para 5,50%. E, para o ano que vem, em 4,80%.

Bastou o país deixar a crise para trás para que o uso da capacidade instalada da indústria encostasse no limite¿ Carlos Thadeu Filho, economista-chefe da Personale Investimentos

O ideal seria que o governo tivesse um papel neutro e o ritmo da atividade fosse ditado pelo setor privado¿ Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin

Inflação em disparada

Victor Martins

Ao mesmo tempo em que mercado amplia as projeções de crescimento econômico para o Brasil neste ano, a inflação não dá trégua. Segundo as primeiras prévias de maio, tanto o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) quanto o Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M) voltaram a se acelerar, superando os resultados computados em igual período de abril.

Pelas contas da Fundação Getulio Vargas (FGV), o IGP-M marcou 0,78%, ficando 0,02 ponto percentual acima da última avaliação. O IPC-S passou de 0,27% para 0,47%. O que assuntou os analistas foi a disseminação dos aumentos de preços. Não se vê mais reajustes por problemas pontuais, como chuvas em excesso ou seca. O que se observa é inflação de demanda, provocada por consumo superaquecido e incapacidade da indústria de garantir o abastecimento.

No levantamento da FGV, dos sete grupos de despesas que compõem o IPC-S, cinco ficaram mais caros. Os destaques foram os itens relacionados à educação e, principalmente, à saúde e aos cuidados pessoais. O reajuste dos remédios, no último mês, teve impacto forte no indicador. Se, em abril, os remédios foram remarcados em 2,48%, neste mês, o aumento atingiu 3,04%. O grupo alimentação, a despeito de ter desacelerado, subiu 1,66%, puxado pela batata-inglesa e o feijão carioquinha, com altas de 22,13% e 36,46%, respectivamente.

Diante de tanto reajustes, a indústria está batendo recordes de faturamento. ¿Com a demanda aquecida, as empresas não estão segurando o repasse de custos. Os insumos do setor pressionaram fortemente a primeira prévia do IGP-M¿, destacou Eduardo Otero, economista da Um Investimento. As matérias-primas brutas apontaram alta de 0,52%. Os materiais e componentes para a manufatura ficaram 0,72% mais caros. ¿Todo esse movimento reflete o forte crescimento econômico¿, acrescentou.

Agora, Mantega admite frear gasto

A despeito de contestar as projeções do mercado financeiro, apontando para um supercrescimento do país neste ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o governo está pronto para conter o ritmo da atividade, ao retirar mais estímulos da economia, inclusive com a redução do consumo do setor público. Segundo ele, não há nada que justifique um aquecimento acima do esperado. ¿A economia já voltou a crescer nos níveis pré-crise. Alguns dizem que há superaquecimento. Não sei se há. Mas, com certeza, a economia está aquecida¿, afirmou ele, durante o seminário Brazil Infrastructure Summit, realizado no Rio de Janeiro.

Mantega lembrou que foi justamente a preocupação com o equilíbrio do crescimento que levou o Banco Central a aumentar taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual (de 8,75% para 9,50% ao ano), bem acima do que fizeram vários países. ¿Então, já há uma desativação dos estímulos (dados pelo governo) e continuaremos reduzindo-os, se necessário, inclusive para diminuir a demanda do setor público para que tenhamos um crescimento equilibrado neste ano e nos seguintes¿, ressaltou.

Ao detalhar como seria a ajuda do governo para reduzir o consumo, o ministro assinalou que é possível cortar programas de custeio dos ministérios. ¿Estamos estudando a possibilidade de reduzir o consumo do governo, mas temos que olhar com cautela. Se for confirmado um crescimento bem mais forte do que esperamos, acima de 6%, podemos reduzir os gastos correntes de ministérios¿, frisou. Ele fez questão de ressaltar, porém, que o possível arrocho nas despesas não atingirá o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal vitrine da candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff. ¿Vamos manter todo o programa de investimentos do PAC, senão criamos gargalos. Os programas sociais também serão mantidos¿, emendou.

Nas contas de Mantega, a demanda doméstica vem mostrando crescimento entre 8% e 8,5% e a redução desse ritmo, se necessário, ocorrerá por meio do setor público e não do privado. Ele

destacou ainda que a boa notícia é o fato de os investimentos produtivos terem retornado aos níveis de antes do estouro da bolha imobiliária americana, em setembro de 2008, avançando de 18% a 20% neste ano, o que levará a taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) para 18,5% do Produto Interno Bruto (PIB) contra os 16,7% em 2009. ¿Não há nenhuma probabilidade de formação de bolhas no Brasil¿, enfatizou.

R$ 850 bi em projetos

Estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aponta que serão investidos cerca de R$ 850 bilhões entre 2011 e 2014 no Brasil, informou ontem o presidente da instituição, Luciano Coutinho. Segundo ele, o levantamento é uma atualização dos dados feitos antes da derrocada da economia mundial, em setembro de 2008. À época, projetavam-se desembolsos de R$ 770 bilhões no país entre 2010 e 2013.

Coutinho assinalou que o novo estudo já sinaliza uma recuperação do setor exportador brasileiro, que pretende expandir seus investimentos no período. ¿Há um aumento dos investimentos tanto na indústria, quanto na infraestrutura. O volume quadrienal hoje já supera o total de investimentos pré-crise¿, frisou. A novidade, emendou ele, é que os investimentos para o mercado externo estão indo bem em função, sobretudo, da melhora dos preços das commodities (mercadorias com cotação internacional).

Otimista, Coutinho assegurou que, caso o mapeamento do BNDES se concretize, os investimentos no Brasil crescerão, em média, 10% ao ano no próximo quadriênio, garantindo a estabilidade(1). ¿Vamos dar maior publicidade ao mapeamento em breve¿, disse, adiantando que uma das alavancas dos investimentos será o setor de petróleo e gás, além de projetos voltados para o mercado interno e para ferrovias e rodovias. Apenas o setor de infraestrutura deverá abocanhar R$ 310 bilhões.

Esses números não endossam, porém, os exageros do mercado nas projeções de crescimento para o Brasil neste ano. Para o presidente do BNDES, ainda que o país tire proveito da crise na Europa, a perspectiva é de que as turbulências originadas na Grécia reduzam um pouco a atividade no país, que está muito aquecida.

1 - Bancos sólidos O mercado bancário brasileiro, que vive um período de forte expansão do crédito, não corre riscos de entrar em colapso, pois está supercapitalizado e com forte regulação. Mesmo em cenários de grande estresse, até maiores do que o atual, com o agravamento da crise europeia, a situação é de tranquilidade, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira preparado pelo Banco Central. Foram analisadas instituições financeiras que somavam R$ 2,76 trilhões em ativos e carteira de crédito de R$1,22 trilhão. Ambos os valores representam, no fim do ano passado, 86% do total do Sistema Financeiro Nacional. Para o BC, houve uma melhora importante na qualidade dos empréstimos feitos pelos bancos devido à retomada da atividade econômica.