Título: Produtividade dará fôlego ao crescimento
Autor: Denise Neumann e Raquel Balarin
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2005, Brasil, p. A3

Conjuntura Presidente do BNDES defende uma queda forte da TJLP para estimular investimentos produtivos

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Guido Mantega, está convencido de que o Banco Central errou a mão na taxa de juros. Mas já considera que o aperto monetário começa a ser superado e - quase fumando o cachimbo da paz com a diretoria do Banco Central - não quer palpitar se o corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic foi pequeno. Agora, ele aposta todas suas fichas na queda da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) - e espera que ela caia expressivo 1,5 ponto percentual nesta semana. Essa queda será essencial para consolidar o que ele vê como um "ciclo sustentado" de crescimento. Debruçado sobre os números da economia nos últimos 15 anos, o presidente do BNDES encontrou o dado que alinhava toda sua defesa da atual política econômica: pela primeira vez ao longo deste período, a produtividade da indústria cresce junto com o emprego. No governo passado, a eficiência da indústria cresceu com desemprego. Sua defesa de que vivemos hoje um ciclo de desenvolvimento sustentável será apresentada hoje na reunião ministerial convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mantega faz questão de frisar que não é contra a política econômica do ministro Antonio Palocci. O único problema que ele aponta oficialmente é a dosagem na taxa de juros. De resto, argumenta que o país entrou em uma rota de desenvolvimento sustentado graças às políticas de comércio exterior, fiscal e monetária adotadas. "E agora a taxa de juros já está em queda", pontua, desistindo de esquentar a polêmica com o BC. Guido Mantega, presidente do BNDES: Lula adotou princípio da "autonomia relativa" do BC e isso abre espaço para discussão da velocidade da queda dos juros O que ele quer agora é que na quinta-feira o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixe a TJLP em um número próximo a 8,25%. Ele explica que as simulações da área técnica do BNDES apontam para este percentual quando são projetadas as trajetórias futuras do risco-país e da meta de inflação. A taxa, lembra ele, está estável há 21 meses. "É um dos fatores que contribuíram para a menor demanda por recursos do BNDES", diz ele, acrescentando que também a crise na agricultura e a construção civil afetaram o desempenho do banco. Até novembro, a instituição desembolsou R$ 40 bilhões do orçamento total de R$ 60 bilhões, ainda assim um patamar recorde. Pelas contas de Mantega, a TJLP hoje embute um juro real (descontada a inflação) de cerca de 4%. Se acrescidos o spread do banco e taxas como a da intermediação financeira do repassador, sobe para 8% real. "Isso não estimula investimento. É por isso que o investimento, este ano, deverá ficar abaixo da variação do PIB", diz Mantega, que rejeita a tese de que uma redução na TJLP estimularia a demanda agregada, como afirmam alguns representantes do Tesouro. Com um gráfico em mãos, o presidente do BNDES defende que o aumento do crédito ocorreu no segmento livre, voltado ao consumo, e não no direcionado, em que se inclui a TJLP. "Até novembro, o BNDES recebeu de amortizações R$ 39,7 bilhões e desembolsou R$ 39,8 bilhões. Nossa contribuição foi de R$ 100 milhões." Mantega tem se debruçado em dados que comprovariam que as ações de redução na taxa de juro, inclusive da TJLP, coroariam um cenário de desenvolvimento sustentado, baseado em crescimento econômico, eficiência, emprego e redução da desigualdade social. Nas contas de Mantega, o PIB cresceu em média 3,21% ao ano nos primeiros cinco anos do Plano Real (no primeiro, Fernando Henrique Cardoso era ministro da Fazenda e nos quatro anos seguintes ele foi presidente). Nesse período, a produtividade na indústria cresceu - medida pela correlação entre o PIB industrial e o emprego - 2,31% ao ano. Para os três primeiros anos do governo Lula, Mantega projeta uma variação de 2,91% ao ano, sendo bem mais forte (4,8%) no biênio 2004-2005. As projeções do presidente do BNDES ainda incluem um otimista crescimento de 3% para o PIB de 2005 e igual percentual para a indústria. Mesmo que a variação da economia brasileira neste ano fique mais próxima aos 2,5% projetados pelo mercado, Mantega não perde o entusiasmo. "Há uma enorme diferença em relação ao período FHC. Pela primeira vez em mais de uma década a produtividade cresce junto com o emprego", argumenta. "A indústria está capitaneando o atual ciclo de crescimento e esse crescimento não é esparso, não é pontual", acrescenta. "O emprego cresceu a uma média de 5,0% ao ano nestes três anos, isso é muito expressivo. E inédito", diz ele. Para o presidente do BNDES, a interrupção dos ganhos de produtividade - e do próprio crescimento da economia - no terceiro trimestre do ano, é "uma oscilação normal" e não significa que o ciclo tenha sido interrompido, mais uma vez. Mantega diz que a desaceleração não foi provocada por fatores estruturais, como a escassez de oferta de energia em 2001, mas em decorrência da política monetária restritiva. "Basta que o BC tire o pé do freio e volte ao acelerador. E ele já o fez." Questionado se a recente queda de 0,5 ponto era suficiente, Mantega argumentou que a Selic era de 19,75% ao ano e caiu para 18%. "Está em trajetória de queda. Não quero julgar se isso é suficiente." Olhando para as estatísticas do banco, Mantega argumenta que há um ciclo de expansão da capacidade produtiva em curso e, por isso, quando a economia voltar a crescer de forma mais expressiva no próximo ano, esse movimento não será abortado por pressões inflacionárias decorrentes de uma demanda que cresce acima do potencial da economia. "Nossa capacidade de crescer se expandiu", justifica ele, lembrando que a utilização da capacidade instalada, que havia chegado próximo ao limite, está hoje em torno de 81%. O BNDES desembolsou, de janeiro a novembro, R$ 19,8 bilhões para a indústria, um crescimento de 52% sobre igual período do ano passado. "E se olharmos para as aprovações, que vão se transformar em desembolsos em um futuro próximo, o dado é ainda mais animador, pois o percentual dobrou", diz ele. Na mesma comparação, os novos projetos industriais aprovados somam R$ 26 bilhões, valor 102% maior que em 2004. Mantega não vê gargalos a uma expansão da indústria e minimiza os alertas do setor privado de que poderá haver problemas de oferta de energia a partir de 2008. Segundo ele, a menor participação do setor privado no leilão de energia nova, realizado na sexta-feira, é uma consequência natural da queda-de-braço entre governo, que quer o melhor preço, e a indústria do setor, que quer valores maiores. Até novembro, o BNDES reduziu em 37% seus desembolsos para o setor elétrico e em 7% o volume de recursos aprovados. O presidente do BNDES admite que a política de superávit fiscal tem provocado uma redução dos investimentos da administração direta em infra-estrutura, mas diz que isso vem sendo complementado por um aumento da aplicação de recursos das estatais. "Tivemos que aumentar o superávit primário (de 3,75% do governo anterior para 4,25%) porque a dívida pública tinha chegado a um patamar preocupante. E o custo para isso foi reduzir investimentos", explica Mantega, ressaltando que ninguém gosta de restringir desembolsos em projetos ligados ao desenvolvimento. Mesmo reconhecendo que neste ano o esforço fiscal ficará entre 4,5% e 4,6% do PIB, acima da meta de superávit, ele defende que 4,25% é suficiente para manter uma trajetória declinante da relação entre a dívida líquida e o PIB. "Isso é o que eu defendo e o que eu pratiquei quando era ministro do Planejamento", diz ele, fazendo coro ao pensamento da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Mantega defende as políticas fiscal, cambial e o sistema de metas de inflação, mas acredita que há espaço para discutir algumas flexibilidades, como o uso da margem de 2,5 pontos percentuais para cima da meta de 4,5% estipulada para 2006 e o calendário de apuração da inflação - que poderia ser de até 18 meses. "Margem de tolerância é para ser usada", argumenta o presidente do BNDES, que classifica de "excesso de zelo" do Banco Central o aperto monetário até setembro. Ele negou que haja hoje uma discussão aberta no governo sobre o tamanho e a velocidade de redução da taxa Selic. "É uma área sensível, mas é lógico que o presidente discute tudo. E como ele adotou esse princípio de autonomia relativa do BC, há espaço para essa discussão. É por isso que posso dizer que eles erraram na dose." Mantega também acredita que a queda na taxa de juros trará efeitos benéficos para o câmbio ao diminuir o espaço para operações de arbitragem. "Há um movimento de especulação no mercado internacional de moeda que ajuda a valorizar o real", fazendo referência aos investidores que aproveitam a diferença entre o juro no Brasil e no exterior. Mas, além do juro, o presidente do BNDES também credita a valorização do real ao "sucesso do comércio exterior do país". Se a taxa de câmbio estivesse mais próxima a R$ 2,90, diz ele, as exportações estariam crescendo 40% ao ano.