Título: Programas sociais dão impulso extra ao Nordeste
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2005, Brasil, p. A4

Conjuntura Emprego e comércio da região sobem acima da média do país

O salário médio dos trabalhadores de Salvador subiu 12,2% nos últimos 12 meses, já descontada a inflação. No Brasil, o aumento real foi bem mais tímido e não chegou a 5%. Ao mesmo tempo, pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os supermercados localizados na capital baiana apuraram aumento de 8,6% no seu volume de vendas, enquanto a média brasileira subiu 5,2%. Os programas de transferência de renda e o aumento real de 7% no salário mínimo impulsionaram a economia do Nordeste neste ano. O desempenho dos indicadores de geração de emprego, renda e vendas no comércio têm ficado acima da média do país. A indústria da região, porém, não usufruiu, na mesma proporção, dos efeitos do aumento da massa de rendimentos nordestina. De janeiro a setembro deste ano, o volume de vendas do comércio varejista no Brasil cresceu quase 5%. Nos Estados do Nordeste, essa alta foi muito superior. Apoiado nas vendas de alimentos e itens do vestuário, os chamados bens não e semi-duráveis, o varejo de Estados como Rio Grande do Norte e Paraíba cresceu nada menos do que 21,7% e 29,1% neste ano. Os Estados do Sul, em contrapartida, têm desempenhado muito mal. É o caso de Paraná e Rio Grande do Sul, que apresentaram retração de 0,15% e 0,6%, respectivamente, neste período. A exceção fica por conta de Santa Catarina, onde o comércio cresceu 5,4%. "Quanto mais ao sul, pior o desempenho econômico, o que reflete os efeitos da ressaca agrícola. Contudo, quanto mais ao norte, na verdade, a nordeste, mais forte o crescimento dos Estados, impulsionados pelo aumento de renda da população, especialmente a mais pobre". Assim Fernando Montero, da Convenção Corretora, resume o cenário do crescimento brasileiro por regiões neste ano. "Olhando os dados do Nordeste com mais cuidado, percebemos que a venda de duráveis (eletrodomésticos e eletroeletrônicos) começa a perder participação em detrimento do crescimento dos itens que dependem mais diretamente da renda (alimentos e vestuário)", avalia Sergio Vale, da MB Associados. As pessoas beneficiadas pelos programa de transferência de renda, como o Bolsa-Família, são aquelas que têm renda mensal per capita abaixo de R$ 100. "Justamente quem tem dificuldade para conseguir crédito", diz Vale. Em Olinda, cidade pernambucana, o gerente do supermercado Tropical, José Rejânio de Oliveira, conta que as vendas aumentaram cerca de 30% neste ano. De 2004 para cá, o número de funcionários passou de 80 para 115, devido à abertura da segunda loja da rede há nove meses. O carro-chefe das duas lojas é a venda de legumes e verduras à vista. O impacto dos programas de transferência de renda é forte no Nordeste. Essa região concentra o maior número de famílias pobres do país - 47%. Ao mesmo tempo, 50% do total das famílias atendidas pelo governo estão nessa região. Em 2006, após a conclusão do recadastramento dos beneficiários, os gastos em transferência de renda devem atingir R$ 8 bilhões. Cerca de 11,2 milhões de famílias brasileiras, 22% do total, são atendidas pelo bolsa-família. Até o fim do ano, o governo deve gastar R$ 6,5 bilhões com esse programa. Além disso, o aumento real do salário mínimo deu fôlego ao crescimento em boa parte do país, especialmente no território nordestino. De acordo com a MB Associados, 15% das famílias brasileiras que recebem algum tipo de renda ganham até um salário mínimo. Desse total, 45% estão no Nordeste. Além disso, 35% do total da massa de pessoas beneficiadas pela Previdência Social, cujo reajuste da aposentadoria também é atrelado ao mínimo, está no Nordeste. "A melhora do nível de emprego na região, porém, está concentrada em serviços e comércio. O emprego industrial não decolou", diz Fábio Romão, da LCA Consultores. Até setembro, o saldo entre admitidos e demitidos na indústria ficou em 27,5 mil. Um número quase 50% menor do que o verificado em igual período de 2004. A produção industrial também não traz resultados tão positivos. Enquanto a produção desse setor no país avançou 3,4%, a do Nordeste cresceu 2,3%. O IBGE calcula apenas a evolução da indústria no Nordeste como um todo e em três Estados: Ceará, Pernambuco e Bahia. Só esse último está colado à produção brasileira. Os demais, no acumulado do ano, tiveram crescimento inferior a 2%. "Os Estados nordestinos ainda não têm uma indústria tão diversificada como a do Sudeste. Por isso, acabam comprando produtos industrializados de outras regiões, impedindo um desenvolvimento mais forte da indústria local", comenta Vale. Um outro impulso na economia do Nordeste vem também pelo crescimento do turismo. De janeiro a outubro deste ano, o número de passageiros que desembarcaram nos aeroportos nordestinos foi 15% maior do que o do ano passado. Em Fortaleza, por exemplo, o aumento superou os 20%. O professor Luiz Gustavo Barbosa, do Núcleo de Estudos Avançados em Turismo e Hotelaria da Fundação Getúlio Vargas (FGV), estima que a atividade turística represente 10% da economia dessa região. Barbosa lembra que de 1994 até agora o governo federal já investiu cerca de US$ 640 milhões no Nordeste por meio do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur). "E nesse ano o turismo na região tem crescido muito". Segundo Barbosa, incrementar o turismo no Nordeste é uma forma de distribuir renda entre os Estados brasileiros. "A pessoa trabalha em São Paulo, mas gasta dinheiro viajando pelo Nordeste". De acordo com a Infraero, o fluxo de passageiros domésticos para a região cresceu 15,6% até outubro. Nesse contexto, a geração de novas vagas de trabalho nessa região, que está mais forte do que no total do Brasil, está ancorada nos serviços e no comércio. O crescimento do emprego formal perdeu força em todo o Brasil. Mesmo assim, até setembro, a região conseguiu gerar 95% do número de vagas criadas no mesmo período de 2004. No agregado do país, essa porcentagem foi de 85%. Devido a isso, o Nordeste ganhou espaço na criação de emprego. Até 2004, 10,5% de todos os postos formais do país estavam lá. Agora são 11,8%. Em Alagoas, por exemplo, o crescimento das vagas foi de 44,4%, sendo que só no comércio o crescimento do nível de emprego foi nada menos do que 290% maior neste ano. Já os serviços empregaram mais de 160% a mais e a construção civil avançou 100%. Em Pernambuco, a geração de vagas aumentou em 15,6%, impulsionada pelos serviços (47%), construção civil (14,6%) e serviços industriais de utilidade pública (20%). Parte deste crescimento expressivo também está relacionado à fiscalização do Ministério do Trabalho, onde vagas sem contratação formal são regularizadas. Em 2006, o Nordeste deve continuar a ter destaque no crescimento do país. Se o salário mínimo subir de R$ 300 para R$ 321 (proposta que está hoje colocada no orçamento do próximo ano), o aumento real dele será de 2,3% - com uma inflação acumulada em 12 meses em 4,6%. Mas se o Congresso Nacional aprovar um mínimo de R$ 340, isso representará um ganho real de 8,3%. Mesmo assim, o rendimento médio recebido por trabalhadores de Salvador e Recife está em um nível muito inferior ao de Estados do Sul e Sudeste. Uma pessoa ocupada em São Paulo tem hoje um salário mensal de R$ 1.083. Em Salvador, o rendimento médio está em R$ 793, valor 27% menor. "Houve melhora, mas o Nordeste ainda precisa crescer muito e durante um período prolongado", afirma Romão, da LCA.