Título: UE marca para 2013 data para acabar com subsídios
Autor: Sérgio Leo e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2005, Brasil, p. A5

Relações externas Principal decisão do encontro tem importância política

Sem condições de decidir sobre os principais temas da atual rodada de negociações comerciais, os representantes dos 150 países da Organização Mundial do Comércio (OMC) concluíram ontem, com decisões quase simbólicas, a sexta reunião ministerial da instituição, em um clima de troca de acusações entre a União Européia e países em desenvolvimento capitaneados por Brasil e Índia. Depois de resistir por seis dias, em reuniões que atravessaram madrugadas, a União Européia aceitou fixar uma data para eliminar definitivamente os subsídios à exportação, que distorcem o comércio: 2013, ano em que esses subsídios já deveriam acabar, com o fim da atual Política Agrícola Comum (PAC) da comunidade européia. Os Estados Unidos, que, com promessas de flexibilidade na negociação, conseguiram deixar o foco das pressões sobre os europeus, aceitaram marcar para 2006 o fim dos subsídios americanos à exportação de algodão, já condenados pela OMC e objeto de projeto de lei encaminhado, há semanas, ao Congresso dos EUA. "É uma decisão simbólica, porque a União Européia já tinha decidido eliminar todos os subsídios à exportação em agricultura", comentou o diretor de agricultura da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Stephan Tangermann, ao comentar a data de 2013 fixada pelos ministros. "Politicamente, o Brasil ganhou, porque a data era o que queria; economicamente, não vejo resultado concreto", comentou. O resultado da reunião ministerial foi saudado por representantes de governo, mas considerado "pouco ambicioso" por associações empresariais de países desenvolvidos, que queriam ver maiores definições em matéria de abertura para importações de produtos industriais e de serviços. Aliviado por ter evitado a repetição do fracasso de conferências anteriores, em Seattle e em Cancún, o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, afirmou que o resultado "não é pouca coisa", em uma semana "de desapontamentos". "Não é suficiente para fazer desse encontro um verdadeiro sucesso, mas o bastante para salvá-lo do fracasso", comentou. O representante comercial dos Estados Unidos, Robert Portman, comemorou o resultado, revelando que temia um retrocesso na rodada de liberalização nesta semana. "Vamos continuar pressionando por progressos reais na abertura de mercados e redução de subsídios de forma abrangente", avisou. Como se previa, os ministros foram incapazes de decidir as regras para orientar o corte em subsídios e tarifas que criam barreiras ao comércio agrícola, mas fixaram um novo um prazo para a tarefa. Até abril, os países da OMC terão de entrar em acordo sobre os métodos para cortar tarifas e subsídios em agricultura, e, ao mesmo tempo, reduzir os impostos de importação cobrados sobre produtos industriais. Já ao partir do Brasil, há duas semanas, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, previa que nenhuma decisão de peso sairia de Hong Kong, mas que os negociadores poderiam avançar em detalhes técnicos, como a definição de "bandas" para orientar o corte dos subsídios agrícolas. Pelo texto decidido em Hong Kong, os países serão divididos de acordo com o tamanho dos subsídios que concedem a seus produtores agrícolas. Os subsídios que superarem determinado valor (a banda) terão cortes maiores, haverá uma banda intermediária, com corte mediano e uma banda inferior, na qual deverão estar os países em desenvolvimento, que terão os menores cortes. Amorim esperava que, pelo menos, de definissem os valores para cada uma dessas bandas, o que não foi obtido. Também haverá três bandas (faixas percentuais) para orientar o corte das tarifas agrícolas. "Mesmo que consigamos decidir os limiares da banda, isso é muito técnico para que se possa convencer a opinião pública como um sucesso da conferência", repetiu Amorim, durante o encontro, para cobrar medidas de fácil compreensão, como forma de estimular a continuidade das negociações. Na impossibilidade de avançar nos temas principais, que seriam o corte dos subsídios e tarifas agrícolas, os negociadores se concentraram em assuntos geralmente tratados de maneira secundária, como a data do fim dos subsídios à exportação, e em medidas para atender às necessidades dos países mais pobres (cuja insatisfação com os rumos da rodada de negociação na OMC ajudou a provocar o colapso da conferência ministerial anterior, realizada há dois anos, em Cancún, México). A decisão sobre os subsídios ao algodão foi obtida como parte desse "pacote de desenvolvimento", após dias de resistência dos Estados Unidos, que evitava compromisso com uma data por considerar o tema assunto do Legislativo, e oferecia, como mostra de boa vontade, garantia de acesso livre de cotas ou tarifas, para o algodão de países africanos pobres, a partir da aprovação de todo o acordo de liberalização negociado nessa rodada. A oferta acabou sendo recebida com críticas pelos países supostamente beneficiados e por organizações não-governamentais (ONGs). "A situação desses países africanos é tão desesperadora que eles precisam de acesso imediato aos mercados e para isso é preciso acabar com os subsídios americanos, que deprimem os preços internacionais", argumenta Walden Bello, diretor da ONG Focus on the Global South. Os críticos da oferta americana afirmam que, mesmo após eliminados os subsídios à exportação alvo do anúncio dos Estados Unidos, o programa chamado Step 2, os produtores americanos de algodão continuarão recebendo garantias de créditos à exportação equivalentes a até US$ 800 milhões anuais. O especialista Pedro Camargo Netto critica o governo por não pressionar os Estados Unidos a compromissos de maior redução de subsídios. "O Step 2 é só uma pequena parte desses subsídios distorcivos", argumenta. "O resultado de Hong Kong é ridículo perto do esforço desses dias", afirma. O pacote inclui ainda a previsão de acesso livre, nos mercados dos países da OMC para pelo menos 97% de produtos dos 32 países mais pobres da organização. Os países em desenvolvimento conseguiram, porém, aprovar regras genéricas para tratamento de produtos "especiais" e salvaguardas que poderão criar novas barreiras no comércio de bens agrícolas para esses mercados. Uma outra decisão, tímida, tomada em Hong Kong, prevê o uso da chamada "fórmula suíça" para negociação da redução de tarifas industriais. Com essa fórmula, as tarifas acima de um determinado coeficiente recebem reduções maiores. Não se decidiu que coeficiente será esse e os países em desenvolvimento querem, no mínimo, a aplicação de coeficientes diferentes, para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para Amorim, um dos principais resultados do encontro foi a articulação entre o G-20, liderado por Brasil e Índia, e outros grupos de países pobres e em desenvolvimento, que criaram um agrupamento denominado informalmente de G-110 e negociaram uma ação conjunta para pressionar os países ricos por maior abertura de mercado. "O paradoxo dessa reunião é que as forças pela liberalização eram os países em desenvolvimento e a resistência veio dos países desenvolvidos", comentou o ministro do exterior do Chile, Ignácio Walker.