Título: Cresce a pressão sobre UTIs
Autor: Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2010, Cidades, p. 31

Um em cada três leitos das Unidades de Terapia Intensiva dos hospitais particulares é ocupado por pacientes do SUS. Por mês, 50 são encaminhados graças a liminares da Justiça

A escassez de vagas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) nos hospitais públicos do Distrito Federal começa a se refletir na rede privada. Atualmente, um em cada três pacientes internados nessas alas dos estabelecimentos particulares é encaminhado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), exatamente porque a rede pública não comporta toda a demanda. Dos 467 leitos de UTIs disponíveis nos hospitais privados, 111 são reservados a doentes que têm o tratamento pago com recursos do GDF. Esses atendimentos são possíveis graças à celebração de um contrato entre as partes, firmado em dezembro do ano passado. Outros 50 são ocupados por meio de determinação judicial ¿ a média é mensal. Os números são da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).

Os hospitais públicos do DF possuem apenas 183 leitos de UTI para atender toda a população local e também a do Entorno. Com a quantidade extra de internações na rede particular, em casos pontuais, chega até mesmo a faltar vagas para quem possui convênio médico. ¿Os hospitais estão adaptados para receber o que foi acordado com o governo, mas as internações por força judicial, muitas vezes, fazem com que aqueles que têm convênio não consigam atendimento¿, ressalta a gerente executiva do Sindicato Brasiliense dos Hospitais Particulares, Danielle Feitosa.

E a situação pode piorar ainda mais para quem não tem condições de pagar as parcelas de um convênio. Como antecipou o Correio no último dia 28, o GDF deve quase R$ 60 milhões à rede privada, referentes a esses serviços. Há 10 meses, os recursos deixaram de ser repassados e os donos dos hospitais ameaçam romper o contrato com o governo caso a dívida não seja quitada.

O promotor de Defesa da Saúde, Jairo Bisol, garante que o Ministério Público vai intervir caso a parceria seja rompida. ¿Se houver ruptura, vamos entrar com um procedimento para recompor imediatamente esse serviço e depois pensaremos o que faremos em relação à dívida. A saúde é mais importante que dinheiro e deve ser tratada como prioridade¿, afirmou Bisol. Para ele, o caos que a saúde do DF vive hoje é reflexo da má administração pública e da corrupção. ¿O governo do DF enviou recursos para os municípios do Entorno para que eles melhorassem seus sistemas de saúde e os moradores evitassem procurar os hospitais de Brasília, mas esse dinheiro foi parar nas mãos de políticos¿, denuncia.

Briga judicial Na hora do desespero, quando se está com um parente em estado grave e a família não tem recursos para pagar um hospital particular, a recomendação é recorrer à Justiça. A Defensoria Pública do DF recebe todos os dias casos de pacientes que necessitam de atendimento emergencial e não conseguem por falta de vagas na rede pública. A defensora pública Alessandra Nogueira Pereira explica que, apesar da situação extrema, existe um processo que pode atrasar a ida do doente para a UTI de um hospital particular.

Ou seja, conseguir uma vaga em UTI por meio judicial não é uma situação tão simples. ¿O parente da vítima tem que pedir um relatório do médico sobre a situação do paciente. Nele, o especialista vai explicar que não há vagas na unidade em que trabalha e deixará claro que o paciente deve ser removido para uma UTI(1). De posse desse relatório, ele (o familiar) deve se dirigir ao órgão. Nós encaminhamos um pedido ao juiz e verificamos na Central de Regulação de Leitos (órgão da Secretaria de Saúde) se possui vaga em outro hospital público da cidade ou se o paciente deve ser conduzido a um hospital particular. Damos prioridade total a esses casos, mas o processo tem que ser esse¿, comentou Alessandra Pereira.

O representante da Amib no Distrito Federal, o médico intensivista Rubens Antônio Bento Ribeiro, defende que Brasília aumente a oferta dos leitos na rede pública. ¿Hoje, a maioria dos leitos está nos hospitais e nas clínicas privadas. A rede pública precisaria ter pelo menos três vezes o que existe hoje¿, opinou. Porém, ele ressalta que também deve haver melhoria em outras áreas da saúde. ¿Não adianta construir mais UTIs se não tem profissional. Essas unidades devem ser estruturadas para que o paciente tenha uma recuperação mais rápida¿, conclui.

1 - A conta Cada leito de UTI na rede privada custa, em média, R$ 1 mil aos cofres públicos. Estão computados nesse valor gastos com médicos, enfermeiros, medicamentos, além de todo o material usado para salvar a vida do paciente em estado grave. Se o paciente estiver em estado muito grave e o caso exigir maiores investimentos, a conta pode ser ainda maior.

Onde estão as vagas

Leitos na rede particular de saúde do DF: 467

Rede pública: 183*

Pacientes do SUS atendidos em hospitais particulares por meio de contrato com a rede privada: 111

Pacientes atendidos em hospitais particulares por meio de liminar: cerca de 50 por mês

Dívida que o GDF possui com a rede privada de saúde: quase R$ 60 milhões

Segundo o Ministério da Saúde, o número de vagas em UTIs nos hospitais públicos e particulares precisa ser de 4% a 10% do total de leitos hospitalares. O que corresponde de um a três leitos de UTI para cada 10 mil habitantes

Segundo censo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), o Brasil dispõe da metade de leitos em UTIs que o necessário

O Distrito Federal ocupa o melhor colocado no ranking nacional, mas a maioria dessas vagas está na rede privada.

O número na capital do país, segundo a Amib, é de 2,4 para cada 10 mil moradores

Família mostra revolta

Apesar de a situação das UTIs do DF estar longe da ideal, Brasília ainda leva vantagem sobre as outras unidades da Federação. Segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), a média de leitos no DF é de 2,4 para cada grupo de 10 mil habitantes ¿ quase o dobro da média nacional (veja quadro). ¿O problema é que a maioria se concentra nos hospitais particulares e a rede pública sofre de muitas carências¿, reforça o médico da Amib Rubens Ribeiro.

A família do ciclista Alexsandro Santos Brito, 31 anos, revolta-se ao lembrar das quase 28 horas que o rapaz ficou esperando uma vaga em uma UTI. Ele se acidentou enquanto participava de uma competição de mountain bike, numa área rural de Brazlânida, no último domingo. Alexsandro perdeu o controle da bicicleta e caiu, batendo a cabeça com violência no chão.

Com um quadro de traumatismo craniano, ele foi encaminhado ao Hospital de Base. Começava ali o calvário da família. A mãe, a dona de casa Maria da Conceição Brito, 53 anos, relembrou que o filho só conseguiu ser transferido para o Prontonorte, na Asa Norte, somente depois que a família recorreu à Defensoria Pública. Os médicos do hospital chegaram a fazer uma intervenção cirúrgica na vítima, mas ela não resistiu ¿Eles (no HBDF) trataram meu filho como um cachorro. Ele ficou jogado num lugar cheio de gente, necessitando de atendimento e ninguém se importava¿, protestou. O Correio tentou contato na tarde de ontem com o secretário de Saúde, Joaquim Carlos Barros. Nas duas primeiras tentativas, ele disse que não podia falar no momento. Depois, não atendeu mais aos chamados. (SA)