Título: Forças Armadas ainda têm forte influência no Chile
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2006, Internacional, p. A7

Herança Pinochet Militares têm privilégios que nenhum político ousa tirar

Mais de 15 anos depois de o ex-ditador ter abandonado o poder no Chile, uma série de leis idealizadas por Augusto Pinochet para garantir abundância de recursos para as Forças Armadas continua vigentes. Mesmo sem hipóteses de conflito à vista, nenhum dos dois candidatos que disputam no domingo o segundo turno da eleição presidencial propõe mudar as regras ou benefícios, como as aposentadorias de privilégio concedidas aos militares. Isso mostra que mesmo com o ex-ditador idoso, doente e desprestigiado, persiste a forte influência das Forças Armadas sobre a sociedade chilena. Antes de deixar o poder, em 1990, Pinochet congelou o Orçamento militar do país, que não pode ser inferior ao nível de 1989 e tem de ser atualizado todos os anos. Além disso, nos anos 70 o governo determinou que 10% dos recursos que são obtidos com a venda de cobre têm de ser divididos em partes iguais entre Exército, Marinha e Aeronáutica, e são usados para compra de equipamento militar. A lei do cobre também garante um piso que independe do preço do metal, de cerca de US$ 240 milhões anuais. Em períodos em que a cotação da commodity é alta, como o ano passado, os recursos para a compra de armamentos podem chegar a dobrar. "Não há nenhum setor do Estado que tenha uma lei especial que garanta a satisfação de suas necessidades", disse o cientista político David Álvarez, da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), que calcula que com os aportes extraordinários da renda do cobre o Orçamento chileno de Defesa, que sem o bônus seria inferior a 2%, ultrapassa 4% do PIB. Ele estima que o Chile, junto com a Colômbia, seja o país sul-americano que proporcionalmente mais destina dinheiro para cobrir gastos com Defesa. A disponibilidade de recursos, cuja dotação é em grande parte decidida pelos próprios militares, permitiu que o país investisse forte na compra de armamentos. O Chile deve começar a receber neste ano dez caças F-16 adquiridos junto aos EUA, estuda a compra de outros aviões e a modernização de aeronaves que já possui, e neste ano também chegarão ao país dois submarinos, entre outras aquisições. Além de contar com abundância de recursos, os militares chilenos também têm privilégios na hora de se aposentar. O sistema de aposentadorias e pensões foi privatizado durante o governo de Pinochet, mas os membros das Forças Armadas são os únicos cujos benefícios ainda são bancados pelo Estado. E, diferentemente do resto dos chilenos, os militares que se aposentam continuam recebendo o salário integral, sendo que quando o titular do benefício morre em alguns casos a aposentadoria pode ser mantida parcialmente, tendo como beneficiário um familiar. Apesar dos privilégios, Álvarez afirma que "a questão da Defesa não é um tema de campanha. Nenhum candidato promete nada nesta área, porque provoca muito ruído". Tanto é assim que durante o fim-de-semana membros da campanha de Michele Bachelet, ex-ministra da Defesa do governo do presidente Ricardo Lagos e candidata favorita a vencer a eleição de domingo, negaram que ela tenha qualquer intenção de privatizar o sistema de aposentadorias das Forças Armadas. "Há muito respeito pelas Forças Armadas, apesar do período ditatorial e de terem saído do poder com uma reputação ruim", afirmou Álvarez. Segundo ele, "há uma impressão de que as Forças Armadas são muito profissionais e realizam um bom trabalho". Além disso, os militares têm conseguido manter com sucesso sua influência na esfera política, com presença no partido conservador UDI (União Democrática Independente, do ex-candidato presidencial Joaquín Lavín, que representa o eleitorado pinochetista e ficou em terceiro no primeiro turno) e, em menor escala, na RN (Renovação Nacional, do empresário Sebastián Piñera, oponente de Bachelet). Para Álvarez, os privilégios só poderão ser tocados com uma grande mudança na composição do Congresso. Isso significa que uma das heranças de Pinochet - que aos 90 anos está em prisão domiciliar e pode ser libertado nesta semana sob fiança - ainda deve estar vigente pelo menos pelos próximos quatro anos.