Título: Um extra que remunera a hora não trabalhada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2006, Opinião, p. A8

Tudo o que deputados e senadores conseguiram mostrar até agora, em 26 dias de convocação extraordinária do Congresso, é que eles são capazes de manter um ritmo constante: o trabalho parlamentar andou, nesse período, o mesmo que no resto do ano. Ou seja, nada. A convocação da Câmara foi feita com uma agenda de votação de 95 matérias. Não houve uma única sessão de votação até agora. A primeira delas está marcada para a próxima segunda. O Conselho de Ética da Câmara, razão política maior para a convocação, já que não pode funcionar com a casa em recesso, começou a trabalhar apenas hoje. A CPI dos Correios alimenta a imprensa com pedaços de relatórios, mas poderia estar fazendo isso mesmo na hipótese de o Congresso ter entrado em recesso. Aconteceu o óbvio, que só o Legislativo, com a arrogante posição mantida durante todo o ano passado de considerar-se acima dos escândalos políticos que imobilizaram seus trabalhos, não conseguiu antever. A convocação extraordinária vai tornar-se um fator adicional de desgaste do Congresso. Isso não interessa nem aos parlamentares nem à democracia. Os especialistas já sinalizam uma forte tendência ao voto nulo nas eleições parlamentares de outubro - o que, em última instância, significa abrir espaço para a eleição de parlamentares sem expressão e inchar partidos sem representatividade. É um risco que o Legislativo aumenta com a estratégia equivocada de apoiar-se eleitoralmente, de forma quase exclusiva, nos espetáculos das CPIs. Não pegou bem a convocação extraordinária. Tanto é assim que o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), abrirá a primeira sessão do período extraordinário, do dia 16, botando na frente a votação de um decreto legislativo que acaba com as ajudas de custo em convocações extraordinárias. E decidiu também colocar em pauta a votação de uma emenda constitucional que reduz de 90 para 45 dias o recesso parlamentar. Tanto repercutiram mal esses 25 dias de trabalho extra remunerado em que não se trabalhou que 62 deputados abriram mão do adicional, contra cerca de meia dúzia de senadores. Dos que renunciaram à remuneração, alguns simplesmente não a receberam; outros pediram à Câmara para doá-la para entidades beneficentes e uma boa parte perdeu o prazo de desistência, mas se comprometeu a devolver o dinheiro ou doá-lo quando recebê-lo. Os cerca de 12% dos deputados que pelo menos assumiram o compromisso público de não receber a remuneração extra podem ter sido movidos por razões eleitorais, mas ainda assim louve-se o gesto. É justo, pois abrem mão de um pagamento que, em última instância, é a remuneração por um trabalho que deixou de ser feito durante o ano legislativo. Alguns deles, no entanto, poderiam poupar seus eleitores de colocar em palanque uma questão sem conteúdo ideológico, mas apenas moral. A senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), por exemplo, ao ser cobrada por não ter renunciado oficialmente ao extra, disse que não devolveria o dinheiro para evitar que ele patrocine "orgias financeiras para os banqueiros ou o luxo oficial". "Vou devolver para os legítimos donos, os filhos da pobreza", disse, dramaticamente, em nota oficial. Do dito, fica registrado que o Senado não é confiável para a senadora, o que dá direito ao eleitor a um julgamento ainda mais rigoroso. O Senado confirmou que a senadora repassou o dinheiro para uma entidade beneficente. O Conselho de Ética defendeu-se atacando a mesa da Câmara. O seu presidente, Ricardo Izar (PTB-SP), afirmou: "É uma vergonha acusarem o Conselho de não trabalhar. Quem errou foram os presidentes da Câmara e do Senado, em só marcar sessões plenárias a partir do dia 16. O Conselho só poderá contar prazos neste dia." A acusação de Izar derruba a principal justificativa usada pela oposição para fincar pé na convocação extraordinária, a de que, se ela não ocorresse, o Conselho teria de adiar a votação dos processos de cassação dos deputados envolvidos no escândalo do mensalão. Com a convocação de sessões plenárias, Izar promete encerrar até o final da semana quatro processos de cassação. Rebelo quer que os 11 processos no Conselho sejam encerrados até março. Com tais previsões, só citando o secretário-geral do PSDB, Eduardo Paes (RJ), que considera que a convocação extraordinária se justificará se as investigações da CPI dos Correios avançarem e o Conselho de Ética encerrar os processos contra os deputados. "Caso contrário, Deus nos acuda."