Título: Será muito caro apostar contra o Brasil em 2006
Autor: Paulo Tenani
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2006, Opinião, p. A8

Volatilidade dos ativos será muito baixa, insuficiente para mudar tendência positiva

O Brasil inicia 2006 com a perspectiva de um cenário eleitoral bastante complicado e uma série de questões perturbadoras acerca da vulnerabilidade de nossa economia a uma crise política mais séria. A primeira vista, tal apreensão parece plausível. O Brasil tem um péssimo histórico de reações a choques políticos e - devido ao seu sistema partidário fragmentado, arrebatamentos da mídia e ruídos de mercado - os preços dos ativos podem oscilar violentamente em uma campanha eleitoral. Contudo, embora seja tentador projetar o passado no futuro e desconfiar do país, desta vez existem motivos para acreditarmos no contrário, que apesar do cenário político complicado a volatilidade do preço dos ativos será muito mais baixa, e insuficiente para alterar a tendência positiva para o Brasil. E este otimismo é baseado em quatro considerações que, na nossa opinião, tornarão extremamente caro apostar contra o Brasil em 2006. Comecemos com o diferencial de juros e uma breve comparação com a crise de 2002. Para quem ainda se lembra, em 2002 o Brasil entrou no ciclo eleitoral com uma taxa Selic de 18% e as taxas de juros em dólar dos títulos da dívida externa soberana - os chamados "yields" - em 13,5%. Ou seja, o diferencial de juros era muito apertado, de apenas 4,5%, e praticamente não compensava os custos de transação e o risco cambial de se investir em reais. Assim, quando o ruído político aumentou e o risco-país subiu, o real estava por demais vulnerável e depreciou-se fortemente. Hoje, no entanto, o diferencial de juros é absurdamente mais alto. Apesar da Selic encontrar-se nos mesmos 18% de 2002, a situação de liquidez internacional é tão favorável que os "yields" caíram para 6,9% - seu mínimo histórico. O diferencial de juros está, portanto, acima dos 11% e é comparável ao que o Brasil presenciou até 1998, quando o regime era de bandas cambiais e as taxas de juros locais precisavam compensar uma desvalorização da moeda de 8,5% ao ano. Melhor ainda, mesmo com a Selic em 14%, como o UBS espera para dezembro de 2006, o diferencial de juros ainda estaria em 7%, bem mais alto do que em 2002. E é justamente neste sentido que, apesar do cenário eleitoral complicado, permanecemos otimistas com o real em 2006: será muito caro apostar contra. Mas vamos assumir, só por exercício, que em 2006 - apesar de caro - o mercado aposte contra e a moeda se desvalorize. Estaria o Brasil vulnerável? Mais uma vez a comparação com 2002 é ilustrativa. Em maio de 2002, quando teve início a crise eleitoral, a dívida brasileira atrelada ao dólar era muito elevada: 15% do PIB de cambiais e 11% do PIB de dívida externa líquida. Ou seja, a relação dívida/PIB era vulnerável a um ataque especulativo à moeda. Neste sentido, na medida em que o real se depreciava - e a dívida pública aumentava - o risco Brasil explodia. De fato, entre maio e setembro de 2002, quando o real se desvalorizou mais de 50% frente ao dólar, a relação dívida/PIB aumentou 10 pontos percentuais, para 64% do PIB, e o risco Brasil subiu 13 pontos percentuais, cruzando a casa dos 20%. Hoje, contudo, os fundamentos da dívida pública brasileira são muito mais sólidos: a dívida cambial está zerada e a dívida externa líquida representa apenas 6,5% do PIB. Ou seja a dinâmica dívida/PIB deixou de ser vulnerável a um ataque especulativo. Dessa forma, contrariamente ao que ocorreu em 2002, é bem possível que o risco Brasil quase não se mova no caso da moeda se depreciar. E se o risco Brasil não se mover, existe um limite superior para o quanto o real poderá se desvalorizar. Mais um motivo para estarmos otimistas com o Brasil em 2006, apesar do cenário político complicado.

País deixou de ser vulnerável a ataque especulativo mas, se isso ocorrer, há chances de que a moeda sequer se mova

Nossa terceira consideração tem a ver com a baixa probabilidade de medidas heterodoxas - independentemente de quem for o ministro da Fazenda ou o próximo presidente da República. Vamos aos fatos. Se o cenário de liquidez internacional continuar favorável, como espera o UBS Wealth Management, e os "yields" brasileiros permanecerem na casa dos 7%, as taxas de juros reais de equilíbrio serão tão baixas que um superávit primário de 3% do PIB já seria suficiente para manter a dívida pública equilibrada nos atuais 52% do PIB - mesmo com um crescimento econômico medíocre. Notem que o superávit primário para 2006 está muito acima disto, em 4,25% do PIB, e que, portanto, a situação é tão favorável que existe até mesmo margem para um pouco de irresponsabilidade fiscal. Nestas condições é muito fácil ser ortodoxo. Qual seria então o incentivo para um presidente ou ministro da Fazenda - seja lá quem for - seguir uma política econômica heterodoxa? Se mais uma vez compararmos a situação atual com a de 2002, as diferenças saltam aos olhos. Em maio de 2002, momentos antes da crise eleitoral, os "yields" estavam em 13,5%, o superávit primário em 3,25% do PIB e o crescimento econômico em 1,5%. Com este patamar de "yields", as taxas de juros reais de equilíbrio eram tão altas que o Brasil estava dentro de um ciclo vicioso para a dívida pública, que crescia ano após ano, atingindo 55% do PIB em maio de 2002. Na época, se o Brasil quisesse estabilizar a dinâmica da dívida, o superávit primário teria de saltar para estonteantes 7,7% do PIB - um sacrifício imenso que poderia muito bem levar um governo menos dedicado a enveredar pela heterodoxia. Finalmente, a quarta consideração: a desaceleração da economia global e as baixas taxas de juros mundiais que o UBS espera para 2006/2007. É um cenário complicado para o mundo lá fora - com altos riscos e baixos retornos. Nestas circunstâncias, os investidores globais procuram diversificar seus portfólios e risco cambial, alocando recursos inclusive em moedas exóticas como o real. Para o Brasil, uma economia relativamente fechada, menos sensível às idas e vindas do PIB mundial - porém bastante sensível às taxas de juros mundiais - este não é um cenário negativo. Muito pelo contrário. Portanto, também neste sentido - apesar do cenário político complicado - permanecemos otimistas com o Brasil para 2006.