Título: Só ¿embromação¿?
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2010, Mundo, p. 26

Embaixador iraniano responde à França, que acusa Teerã de ¿ganhar tempo¿ com a visita do presidente Lula

Uma ¿afronta¿ ao governo e ao povo brasileiro, foi como o embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, classificou as declarações do chanceler francês, Bernard Kouchner, de que Teerã está tentando ¿embromar¿ o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para o diplomata, a França e demais países ocidentais ¿têm de se preocupar com seus assuntos internos¿, sob pena de ¿perderem credibilidade¿. O representante iraniano afirmou ainda que um acordo para a troca de urânio no Brasil dependeria dos líderes dos dois países, que vão se encontrar na próxima semana em Teerã, mas ressaltou que seu governo quer a garantia ¿concreta¿ de que, seja qual for o local escolhido, a troca seja simultânea: o Irã entrega seu material e recebe no ato o urânio enriquecido.

¿Nós temos duas condições, e a primeira delas é que a troca seja feita ao mesmo tempo. Se essa condição for atendida, a segunda, que é o local, pode ser resolvida também¿, afirmou Shaterzadeh, em entrevista coletiva. O embaixador, no entanto, preferiu não falar sobre uma possível proposta apresentada pelo governo brasileiro para viabilizar a troca, mencionada pelo presidente Mahmud Ahmadinejad em telefonema ao colega venezuelano, Hugo Chávez, na última quarta-feira. ¿Essa pergunta deve ser feita às autoridades brasileiras¿, disse. Questionado sobre a evolução das negociações pela agência de notícias Reuters, o chanceler Celso Amorim disse ver ¿um avanço¿: ¿Eu notei na liderança iraniana uma forma mais pragmática. Acho que existe um espaço¿.

Segundo Shaterzadeh, todas as movimentações feitas pelo Brasil têm sido muito bem-vindas em Teerã. ¿O presidente Lula confirmou que o que ele quer para o Irã é o mesmo que ele quer para o Brasil(1). E acreditamos que, com a sua atitude de defesa da justiça e dos interesses dos povos, ele não vai decidir pelos Estados Unidos¿, afirmou. ¿Nós confiamos no Brasil, mas não confiamos nos países ocidentais¿, acrescentou. O diplomata assegurou, contudo, que seu país ainda considera a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) o principal interlocutor para as negociações sobre o programa nuclear. ¿Nós nos comunicamos com a AIEA, e se os Estados Unidos estão encontrando alguma dificuldade, que se comuniquem com a agência¿, disse.

Respeito A uma semana da chegada de Lula(2) a Teerã, representantes dos governos francês e americano demonstraram preocupação de que o Irã esteja usando o Brasil para ganhar tempo, enquanto os membros do Conselho de Segurança discutem novas sanções ao país. ¿Penso que, infelizmente, Lula vai ouvir as mesmas histórias que ouvimos há tantos anos¿, disse o chanceler francês. O embaixador iraniano respondeu que ele o governante brasileiro ¿é um líder inteligente e digno de respeito¿. ¿Nós respeitamos o presidente Lula como uma grande personalidade mundial. Os países ocidentais, como a França, têm de se preocupar com seus assuntos internos. Eles estão perdendo o respeito internacional e até internamente.¿ O Itamaraty não se manifestou sobre as declarações.

Shaterzadeh destacou que seu país já disse ¿várias vezes¿ que está disposto a trocar urânio, mas insistiu na exigência de ¿sinceridade¿ da outra parte. ¿A confiança é uma coisa de duas vias, não é possível se só um lado quer e o outro, não. Nós já demonstramos o nosso bom senso. Agora, a bola está do lado ocidental¿, declarou. Ele fez pouco caso das ameaças de sanções. ¿Não estamos preocupados com esse tipo de punição. Há 30 anos, os EUA determinaram esse tipo de relacionamento com o Irã, e, em todas as áreas, o país avançou¿, afirmou.

1 - Sem medo de Serra O embaixador iraniano disse acreditar que a política externa brasileira seguirá sua ¿linha independente¿, mesmo que haja grandes mudanças no Planalto com as eleições de outubro. Ao comentar a oposição declarada do pré-candidato à Presidência da República José Serra (PSDB) à política de Lula em relação a Teerã, Mohsen Shaterzadeh disse que ¿nas campanhas eleitorais muitas coisas são ditas, mas os fatos concretos podem ser vistos só quando se começa a governar¿. Recentemente, em entrevista à TV Bandeirantes, Serra disse achar um ¿equívoco¿ dar ¿apoio político ao Irã¿. ¿É um apoio que nem países como a Rússia, a China dão na medida que o Brasil tem dado¿, disse o tucano.

2 - Visita histórica Os três dias que o presidente Lula passará em Teerã, entre 15 e 17 de maio, serão um ¿marco histórico¿, segundo o embaixador iraniano. ¿Brasil e Irã podem colaborar de forma importante para a criação de uma nova ordem mundial¿, disse. Shaterzadeh informou que o visitante será recebido por várias autoridades, inclusive o líder espiritual, aiatolá Ali Khamenei, e participará de uma cúpula do G-15, o grupo de países ¿não alinhados¿, também na capital iraniana. Segundo o embaixador, pelo menos 10 dos 15 chefes de Estado do grupo ¿ que inclui Argentina, México, Índia e Venezuela ¿ estarão presentes. ¿O presidente Lula é um líder mundial valioso. No Irã, todos os esforços estão sendo feitos para uma recepção calorosa¿, garantiu.

Chance perdida

Os Estados Unidos consideraram que Teerã desperdiçou mais uma boa chance no jantar oferecido pela missão diplomática do Irã na Organização das Nações Unidas (ONU) a representantes de todos os países-membros do Conselho de Segurança, na noite de quinta-feira. O porta-voz do Departamento de Estado,

Philip Crowley, afirmou que, apesar do esforço em reunir os 15 países em um evento com a presença do chefe da diplomacia iraniana, Manuchehr Mottaki, a república islâmica não conseguiu aproveitar a oportunidade para sair de seu isolamento diplomático.

¿Foi mais uma chance perdida pelo Irã de cumprir suas obrigações internacionais¿, disse Crowley. Com exceção de Estados Unidos, Reino Unido e França, todos os países que participam do Conselho ¿ inclusive o Brasil ¿ enviaram seus embaixadores na ONU para o jantar, realizado na residência do embaixador iraniano, em Manhattan. No caso americano, o enviado foi o embaixador-adjunto Alejandro Wolff.

Na avaliação de Anne-Marie Slaughter, responsável pela estratégia política do Departamento de Estado americano e uma das colaboradoras mais próximas da secretária Hillary Clinton, o jantar foi um sinal de que o Irã está ¿bastante preocupado¿.

Apesar do aparente descaso das três potências ocidentais, Mottaki afirmou que essa foi uma ¿boa oportunidade¿ para explicar os pontos de vista do governo de Teerã. ¿Expliquei a posição do Irã sobre o Tratado de Não Proliferação nuclear, as últimas evoluções da questão da troca de urânio¿, disse o chanceler à imprensa. ¿O nosso objetivo nessas discussões era de que os membros da ONU apoiassem nossas propostas.¿