Título: O próximo FMI
Autor: Jürgen Stark
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2005, Opinião, p. A9

Iniciativas para a reforma do Fundo precisam ser implementadas sistematicamente

O sistema monetário e financeiro internacional viveu tremendas mudanças no decorrer das últimas décadas. Rápida expansão nos fluxos de capital entre diferentes países, continuada inovação financeira e adensamento de mercados financeiros criam problemas crescentes não apenas para autoridades econômicas nacionais, mas também para as instituições financeiras internacionais. Isso tem se aplicado particularmente ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao buscar atender seus países membros em todo o mundo, e desencadeou uma discussão fundamentalmente importante sobre o rumo estratégico do fundo. A atual reavaliação estratégica do FMI não começou do zero. O processo de reforma foi deslanchado no fim dos anos 90 e continuado pelo ex-diretor-gerente Horst Köhler com importantes iniciativas. Essas iniciativas - especialmente os esforços para fortalecer a função de supervisão do FMI e o denominado "referencial de acesso excepcional" - precisam agora ser cristalizadas e implementadas sistematicamente. Por exemplo, a adoção de padrões e códigos, relatórios de observância sobre seu cumprimento (ROSC, na sigla em inglês), Programas de Avaliação do Setor Financeiro (FSAP's, na sigla em inglês), e o resultante aumento na transparência do Fundo poderiam contribuir para um aperfeiçoamento em monitoração bilateral, regional e multilateral. A política de acesso excepcional, que busca a um só tempo melhorar a previsibilidade da política de concessão de empréstimos pelo Fundo e salvaguardar sua posição financeira, ainda está à espera de seu primeiro teste real. Mas o mundo precisa olhar para além até mesmo dessas questões. A gerência do FMI compartilha muitas ponderações estratégicas repetidamente colocadas pelo Bundesbank (banco central alemão), que argumentou que o Fundo deveria limitar suas atividades à sua missão básica: promover estabilidade monetária e financeira. Assim, o papel do FMI no sistema monetário internacional não deveria ir além da aplicação de seus instrumentos chaves na promoção de estabilidade macroeconômica: monitoração e orientação em política econômica. Na realidade, esses dois instrumentos deveriam caminhar lado a lado à medida que prosseguem as reformas internas no FMI. Incrementar o foco analítico e aperfeiçoar a transparência mediante a disponibilização de consultoria abrangente e informação oportuna serviria para fortalecer ainda mais a função de monitoração.

Incrementar o foco analítico e aperfeiçoar a transparência serviria para fortalecer ainda mais a função de monitoramento do FMI

Em contraste, um FMI que tentasse atuar, digamos, como árbitro internacional de políticas cambiais nacionais iria defrontar-se com problemas insuperáveis de implementação e aceitação. De modo semelhante, posicionar o FMI como segurador-geral de risco mediante uma implementação de linhas de crédito cautelares acima dos limites de acesso normais não seria compatível tanto com sua missão de proporcionar ajuda financeira em termos deliberadamente não-ajustados por risco, como com o atual sistema de refinanciamento de créditos de curto prazo junto ao Fundo mediante reservas oficiais imunes a riscos. Somente em verdadeiras crises de balanço de pagamentos o FMI deveria permanecer pronto a proporcionar ajuda financeira temporária limitada a países membros, estimulando, assim, seus próprios ajustes de políticas e sinalizando esse comprometimento perante os mercados. Transformar-se em instituição fomentadora de desenvolvimento também não é coerente com a missão do Fundo. O financiamento de desenvolvimento deveria ser deixado para o Banco Mundial. Ao concentrar-se em suas vantagens comparativas específicas em sintonia com mandatos claramente definidos, ambas as instituições cumprirão suas tarefas com mais eficiência. Com efeito, a implementação do Perdão Multilateral de Dívidas iniciado pelo G-8 já cria uma oportunidade sem precedentes para realizar o processo de perdão da dívida de um grande número de países de baixa renda. Isso também abre o caminho para o FMI pôr fim à sua atual dispersão de atividade em países de baixa renda e intensificar sua agenda em áreas de sua expertise fundamental. Finalmente, representação adequada e o direito de cada membro de colocar sua posição no âmbito do Fundo é um pré-requisito da legitimidade de que o FMI necessita para cumprir seu papel mundial. A distribuição de quotas deveria ser balizada pelo peso econômico dos países membros e pelo grau de sua integração na economia mundial, e um reajuste nas quotas deve ser realizado de uma maneira coerente que aplique o mesmo padrão a todos os países. Mas, com a finalidade de manter a disposição dos países credores de contribuir para as finanças do Fundo, é preciso manter um forte vínculo entre, por um lado, as quotas, e por outro os direitos a voto, o acesso aos recursos do FMI e as contribuições financeiras. A questão da representação é um importante componente da reavaliação estratégica do FMI. Entretanto, essa reavaliação, e as reformas dela decorrentes, precisam ser muito mais abrangentes para que beneficiem o Fundo e todos os seus membros.