Título: A experiência neozelandesa
Autor: Martin Wolf
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Opinião, p. A13

Com as reformas, economia do país foi uma das que mais cresceram na década passada

O experimento neozelandês com reformas de livre mercado foi bem-sucedido ou um fracasso espetacular? Fui à Nova Zelândia em setembro a convite da Business Roundtable, não apenas para apresentar palestras e desfrutar as vistas espetaculares, mas também para aferir a saúde de uma economia supostamente torturada até a morte pelos ideólogos "neoliberais". Mas, como poderia ter dito Mark Twain, os rumores da morte econômica da Nova Zelândia foram excessivamente exagerados. Como observou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua análise publicada neste ano, "a Nova Zelândia foi uma das economias de mais rápido crescimento no âmbito da OCDE durante a década passada. De 1992 a 2002, o país cresceu a uma taxa média anual de 3,6%, e vem mantendo vigoroso ritmo de expansão durante o período mais recente de desaquecimento mundial". Como, então, deveríamos avaliar as reformas, 20 anos depois? Para responder a essa indagação, é preciso partir do registro econômico. Em primeiro lugar, a renda real per capita na Nova Zelândia (em paridade de poder de compra) caiu de pouco acima da média na OCDE (excluindo Coréia do Sul, México, Turquia e Europa Oriental) em 1970, para 71% da média em 1992. Em 2002, porém, o padrão de de vida neozelandês tinha atingido 76% da média na OCDE . Em segundo lugar, desde 1990 a taxa geral de emprego masculino saltou para bem acima da média na OCDE, chegando perto de 80%, ao passo que, para as mulheres, a taxa permaneceu bem acima da média em todo o período. A taxa de desemprego caiu para 3,8% no período de três meses até setembro de 2004, o patamar mais baixo em 18 anos. Uma análise do Tesouro da Nova Zelândia revela que, entre 1992 e 2002, o crescimento médio de horas per capita trabalhadas pela população foi mais rápido do que na Austrália, Canadá, Reino Unido e EUA.* Em terceiro lugar, o crescimento da produção por hora trabalhada também melhorou, de um mínimo de cerca de 0,5%, em meados da década de 90, para em torno de 2% ao ano, no início desta década. O crescimento da "produtividade multifator" - crescimento do produto por unidade de insumos -, cresceu de uma taxa (ajustada para eliminar efeitos do ciclo de negócios) de aproximadamente zero, 20 anos atrás, para cerca de 1,2% ao ano. A OCDE projeta um crescimento potencial da produção por hora na Nova Zelândia entre 2003 e 2009 em 2,1% ao ano, contra 1,8% na OCDE como um todo, 1,5% na zona do euro, l,9% no Reino Unido e 2% na Austrália. A Nova Zelândia mudou - passou de um desempenho muito pior do que a média na OCDE para moderadamente melhor. Como devemos qualificar essa melhoria? Foi ela razoável ou um magro retorno produzido por reformas radicais? Minha resposta é que esse desempenho é razoável, embora não espetacular. Por que tantos críticos discordam? A primeira resposta é que eles não se dão conta de quão distorcida era a economia neozelandesa. As reformas foram radicais, tendo em vista seu ponto de partida. Mas tinham de ser. No início da década de 80, a Nova Zelândia era uma economia exportadora de commodities, com protecionismo e subsídios muito altos para suas atividades econômicas, gastos públicos bem acima de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), déficit fiscal e em conta corrente muito grandes e inflação elevada.

Sem mudanças radicais, a Nova Zelândia teria sofrido enorme crise macroeconômica em algum momento na década de 80 ou início dos anos 90

A segunda resposta é que, em vez de terem sido graduais ao longo de um período, as reformas neozelandesas ocorreram em dois curtos pulsos, sob a direção de Roger Douglas, ministro das Finanças, entre 1984 e 1988, e depois com Ruth Richardson, entre 1990 e 1993. O primeiro adotou o câmbio flutuante, eliminou controles cambiais, liberalizou os mercados financeiros, cortou tarifas, aboliu licenças de importação, baixou a maior alíquota de imposto para 33%, eliminou subsídios e privatizou muitas atividades estatais. Depois, com Richardson, o mercado de trabalho foi desregulamentado. Além disso, em 1989, o Reserve Bank ganhou independência operacional e uma meta de inflação. É simplesmente errado descrever tais reformas como geradoras de um paraíso de laisser faire. O resultado é, na realidade, uma economia de mercado razoavelmente desregulamentada, competitiva, com políticas fiscal e monetária prudentes e um governo melhor conduzido. As reformas na Nova Zelândia ficaram longe, tanto do insanamente radical, como de uma execução otimizada. A liberalização da conta capital, antes da implementação de disciplina fiscal ou de desregulamentação do mercado de trabalho, transgride a noção que quase todo economista tem de seqüenciamento ótimo. Essa seqüência certamente fez crescer os custos impostos pelas reformas na década de 80. Se o desfecho não foi particularmente radical, o início foi, entre os países mais avançados da OCDE, particularmente distorcido. Por isso é tão importante, ao avaliar as reformas, fazer uma análise sensata do que teria acontecido sem elas. A alternativa é não verificável. Mas qualquer pessoa com experiência sobre os países em desenvolvimento exportadores de commodities teria reconhecido os sintomas de incipiente desastre na Nova Zelândia no início da década de 80. O insustentável não perdura. Sem mudanças radicais, a Nova Zelândia teria sofrido uma enorme crise macroeconômica em algum momento na década de 80 ou início dos anos 90. Os resultados das reformas precisam ser aferidos contra esse referencial. Apesar disso, a melhoria, embora indubitável, não foi tão grande quanto desejável. Talvez o fracasso mais notável tenha sido a baixa taxa de investimentos empresariais, que pairaram em torno de 10% do PIB na Nova Zelândia, contra até 16% na Austrália. Analogamente, os investimentos da Nova Zelândia em informática e comunicações foi modesto, pelos padrões de outros países da OCDE, entre eles EUA, Austrália e Irlanda. Ninguém pode afirmar que a Nova Zelândia exibe os melhores indicadores mundiais. De fato, não. Mas, ao menos, foi contido o declínio relativo do país. Isso foi conseguido mediante políticas percebidas como radicais apenas contra o pano de fundo da anterior incompetência neozelandesa. Descrever os resultados como um fracasso auto-evidente é um absurdo. "Melhorou, embora pudesse ter melhorado mais", seria uma avaliação bem mais razoável.