Título: Dólar surpreende com alta em 2005
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/01/2006, Finanças, p. C8

Para Bill Gates, Warren Buffett e muitos outros em Wall Street que trabalham com números, o dólar proporcionou uma das surpresas mais desagradáveis de 2005. Os dois homens mais ricos do mundo e a maioria de seus colegas do mercado financeiro haviam previsto uma desvalorização da moeda americana no ano passado, arrastada pelo colossal déficit em conta corrente dos Estados Unidos. Muitos previam que o euro estaria comprando US$ 1,40 a esta altura, e que 1 dólar estaria valendo menos do que 100 ienes. Estavam todos errados. Embora o déficit em conta corrente dos EUA caminhasse para os US$ 800 bilhões em 2005, o dólar ganhou força. Ele subiu 3,5% em relação a uma ampla cesta de moedas, na primeira valorização em quatro anos. Contra o euro e o iene, o dólar saiu-se ainda melhor. Encerrou o ano a US$ 1,18 por euro, com alta de 14%. Apesar das oscilações em dezembro, o dólar teve avanço parecido contra o iene. Logo, não surpreende que os apostadores estejam mais cautelosos em relação a 2006. Embora a maioria deles acredite que o dólar vai terminar o ano mais fraco do que está começando, a previsão típica é de que qualquer desvalorização será bastante modesta e ocorrerá principalmente na parte final de 2006. Isso porque grande parte dos analistas atribui o vigor recente do dólar ao maior distanciamento das taxas de juros americanas, européias e japonesas. Essas brechas deverão aumentar por alguns meses mais, antes de uma ligeira diminuição mais para o fim do ano. O Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, elevou as taxas de juro de curto prazo oito vezes em 2005, para 4,5%. O Japão, por outro lado, manteve a torneira da liquidez aberta e os juros em zero, enquanto o Banco Central Europeu (BCE) aumentou os juros apenas uma vez, em dezembro, para 2,25%. Os juros americanos relativamente maiores atraíram capital estrangeiro para os ativos em dólar, elevando a moeda. Por esta lógica, enquanto os juros americanos subirem mais rapidamente que os outros, o dólar continuará forte. Mas na medida em que a campanha de aperto dos EUA for se abrandando e as taxas de juros européias ou (talvez) as japonesas forem subindo, o dólar vai se valorizar. O consenso, segundo uma compilação recente de previsões feita pela agência de notícias Reuters, sugere que o dólar poderá bater no US$ 1,25 por euro e nos 180 ienes no fim do ano. A julgar pelos primeiros dias de 2006, essas previsões poderão se mostrar otimistas demais. O dólar caiu na semana passada, depois do anúncio das minutas da reunião de dezembro do Fed, sugerindo que os juros de curto prazo poderão não subir muito mais. Um "gap" dos juros meramente estável implicaria um dólar mais fraco. Segundo a teoria econômica, é a ampliação dos diferenciais de juros que fortalece temporariamente o câmbio. Ao longo do tempo, uma diferença internacional nos juros é compensada por uma queda da moeda com a maior taxa de juro. Os mercados financeiros estão obcecados demais com a influência dos juros sobre as moedas. Historicamente, os diferenciais de juros nunca tiveram uma utilidade maior do que qualquer outra coisa na previsão dos movimentos cambiais no curto prazo. E há muitas outras razões para se preocupar com o dólar. Uma fonte clara, embora modesta, de suporte à moeda em 2005 foi a repatriação dos lucros que as empresas americanas conseguiram fora dos EUA, fenômeno que ocorreu por causa da suspensão da cobrança de impostos sobre esses lucros pelo período de um ano. Agora isso acabou. Os exportadores de petróleo poderão se mostrar compradores de dólares mais inconstantes do que muitos esperam. Em 2005, com a disparada dos preços, os países exportadores viram seus superávits externos também dispararem. Uma boa fatia desses superávits proporcionados pelo petróleo seguiu para os ativos em dólar. Isso levou analistas a concluir que os exportadores de petróleo eram fonte segura e duradoura de suporte ao dólar. Um ponto de vista alternativo é que os exportadores, assim como outros países, foram atraídos pelo elevação dos juros nos EUA. Estudo do Banco para Compensações Internacionais (BIS) sugere que a composição cambial dos depósitos dos países membros da Opep se tornou mais sensível aos diferenciais de juros. A China é outra causa de incerteza. Sua ansiosamente aguardada mudança no câmbio (que acabou se mostrando minúscula), em julho de 2005, foi uma benção para o dólar porque não iniciou um realinhamento maior das moedas asiáticas. Este ano poderá ocorrer o oposto, com os chineses permitindo uma movimentação do yuan maior que a esperada pelos mercados. Na semana passada, a China introduziu um sistema de formação de mercado na negociação de yuan no mercado à vista, que poderá permitir uma valorização mais rápida da moeda. Há ainda possibilidade cada vez maior de que a China venha a diversificar suas crescentes reservas, fugindo dos ativos denominados em dólares em direção a uma cesta mais ampla de moedas. Na quinta-feira, a Administração Estatal do Câmbio sinalizou que poderá mudar sua política cambial. Mas a maior sombra continua sendo o enorme déficit em conta corrente dos EUA. Reduzi-lo vai exigir um dólar muito mais barato. Segundo Jim O'Neill, do Goldman Sachs, os temores com a conta corrente espreitaram nos bastidores em 2005. Segundo seus modelos, os diferenciais de juros sugerem, sozinhos, que o dólar deveria estar na casa de US$ 1,10 por euro, 10% mais forte do que está. Ele atribui o desconto ao nervosismo em relação à conta corrente. O risco real é que esse nervosismo tome o centro do palco se o gap dos juros perder força. O resultado poderá ser uma grande queda do dólar.