Título: Fim da dívida com o FMI ajuda câmbio da Argentina
Autor: Paulo Braga
Fonte: Valor Econômico, 19/12/2005, Internacional, p. A11

Reservas baixas Kirchner diz que Venezuela irá ajudar no pagamento

O uso de reservas do Banco Central para o pagamento de toda a dívida com o FMI, que a Argentina anunciou na semana passada, deve fazer com que fique mais fácil para o país manter a cotação do dólar ao redor dos 3 pesos argentinos, como vem fazendo o governo do presidente Néstor Kirchner desde o início de sua gestão. Mesmo com o desembolso dos US$ 9,810 bilhões, que segundo o governo será feito até o final do ano, as autoridades dizem que o BC ficará com recursos suficientes em caixa para respaldar a base monetária - o dinheiro em circulação na economia. Mas, com menos dólares para a mesma quantidade de pesos, ficará mais fácil para o BC manter o câmbio nos níveis atuais, já que a relação de 3 para 1 vinha sendo mantida graças a intervenções diárias da autoridade monetária, atuando na compra de divisas. Mas a decisão também implica um maior risco, já que com menos reservas a economia local fica mais vulnerável em caso de crise. Após o anúncio, o dólar reagiu com alta, atingindo 3,07 pesos, a maior cotação do ano. Para impedir que a moeda se desvalorizasse ainda mais, o BC interviu no mercado de maneira oposta à sua atuação usual, vendendo dólares. Na sexta, o índice Merval, da Bolsa de Buenos Aires, retrocedeu 2%, depois de ter registrado uma alta de 1,9% no dia anterior. A explicação para a mudança de humor é que apesar de a notícia ter sido recebida inicialmente com otimismo, com a perspectiva de que o fim da relação com o Fundo elimine um foco de turbulência, no dia seguinte a avaliação era de que, sem a auditoria do Fundo, a condução da política econômica pode ir em uma direção contrária à desejada pelos operadores do mercado. Depois da forte volatilidade vista na sexta, as atenções estarão voltadas para o comportamento que o mercado terá hoje. A maioria dos analistas espera que a situação se acalme nos próximos dias, com a moeda americana mantendo-se ao redor dos 3 pesos. "Se não houver movimento especulativo e se forem mantidas as expectativas dos agentes econômicos de que o governo continuará com uma política fiscal prudente, com manutenção do superávit primário, não deve haver grande pressão de demanda sobre o dólar", disse o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb.com. Ao mesmo tempo, o BC terá de ser cauteloso na sua política de recomposição de reservas para não gerar sobressaltos na cotação. O Banco Central vai se desfazer de mais de um terço de suas reservas, que na semana passada eram de US$ 26,8 bilhões, e já sinalizou que atuará para recompô-las. Segundo o jornal argentino "Clarín", até o final deste ano o governo deve adquirir US$ 400 milhões. De acordo com cálculos do jornal, com a adição desse montante de reservas a taxa de câmbio de equilíbrio ficaria em 3,07 pesos por dólar, justamente o patamar de sexta-feira. Em declarações ao mesmo jornal, o presidente Néstor Kirchner afirmou que para repor o dinheiro que será devolvido ao FMI a Argentina será auxiliada pelo governo venezuelano, que teria se comprometido a adquirir US$ 2,4 bilhões em bônus no ano que vem. Kirchner disse também que sua decisão só foi possível graças à atitude tomada antes pelo Brasil. "Se o Brasil não tivesse dado o primeiro passo, a Argentina não poderia ter avançado sozinha", afirmou, dando a entender que o precedente brasileiro permite que a decisão argentina conte com mais apoio interno e ameniza eventuais reações negativas do mercado. Apesar da conveniência da decisão brasileira, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, negou a outro jornal argentino, "Perfil", que tenha havido coordenação entre os dois governos para tomar a decisão.