Título: Fundos de pensão: a integração necessária
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2006, Brasil, p. A2
O resultado de crises políticas pode ser positivo se contribuir para o aprimoramento das instituições. Cassações de parlamentares e punições dos envolvidos nas malfeitorias são um imperativo, mas seria igualmente importante que as CPIs apontassem caminhos para aperfeiçoar o funcionamento do Estado. Do ponto de vista do sistema político-eleitoral, não se espera mudança alguma. O risco, aliás, é o de que haja um retrocesso. Propostas de avanço institucional são aguardadas em outras áreas. Há uma chance de que isso ocorra no que diz respeito à regulação e supervisão dos fundos de pensão. Apesar das críticas e da forte reação de algumas fundações, a sub-relatoria da CPI dos Correios que trata do assunto vem fazendo um trabalho sério. A investigação, feita com a colaboração de órgãos públicos e a participação de auditores privados, comprovou que um grupo de corretoras atuou de forma coordenada, desde o último ano do governo anterior, para gerar prejuízos a fundos específicos em mais de uma modalidade de operação financeira. Trata-se inegavelmente de uma contribuição importante para que as autoridades e o Congresso encontrem uma forma de aprimorar a supervisão estatal nessa área. É verdade que a Secretaria de Previdência Complementar (SPC), a entidade encarregada de regular e fiscalizar os fundos de pensão fechados, teve a sua atuação fortalecida pela atual administração. Algumas das descobertas da CPI vinham sendo feitas pela secretaria. O governo Lula encontrou a SPC com apenas 23 auditores, todos emprestados pelo INSS . Hoje, a secretaria possui 102 auditores, uma equipe quatro vezes maior que a anterior, mas ainda insuficiente para lidar com um sistema crescente de previdência complementar - 366 entidades fechadas, 950 planos de previdência, R$ 300 bilhões em ativos (15% do PIB), 2.150 patrocinadoras e 6,5 milhões de participantes e beneficiários. Com a estabilização da economia, a tendência é que esse mercado cresça de forma exponencial, ajudando a aumentar a poupança privada de longo prazo, um instrumento importante para financiar o crescimento do PIB - nos países da OCDE, os fundos de pensão respondem por 30% dos ativos financeiros. Nos últimos anos, com as duas reformas das regras das aposentadorias, a previdência complementar tem passado por transformações importantes. Mais recentemente, beneficiou-se de mudanças na tributação que estimulam a adesão de novos participantes. Nos três anos do governo Lula, regulamentou-se a portabilidade, ou seja, a possibilidade de um beneficiário levar sua economia previdenciária para um outro fundo ao mudar de emprego. Novas regras de governança foram criadas e implementadas. Criou-se ainda novo regime repressivo, com sanções para os dirigentes pessoas físicas. Diretorias de fundos de pensão têm sido inabilitadas por incompetência ou fraude. O mercado ficou mais sofisticado. A nova realidade obrigou a SPC a fazer convênios com órgãos federais para fiscalizar os fundos.
Crise abortou criação da Previc
A necessidade de integração das entidades de regulação, supervisão e fiscalização tornou-se evidente. No Brasil, como se sabe, existe uma instituição para cada mercado. Dos fundos de pensão fechados, cuida a SPC; dos abertos, a Susep (Superintendência de Seguros Privados). Dos bancos, cuida o Banco Central. Do mercado de valores mobiliários, a CVM. Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, planejou a fusão da CVM com a SPC e a Susep. No governo atual, os ministérios da Fazenda e da Previdência estudam discretamente a fusão da SPC com a Susep. É difícil. A integração esbarra na forte resistência imposta pelas corporações e possivelmente em interesses privados, que vêem na supervisão única o fim da possibilidade de "captura" de reguladores segmentados. Ironicamente, uma boa idéia concebida pelo atual governo - a criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), em substituição à SPC - foi derrubada no Congresso por causa do clima de conflagração gerado pela crise política. O governo criou a Previc por meio da medida provisória 233. Aprovada na Câmara, ela foi rejeitada no Senado na semana do depoimento-bomba do ex-deputado Roberto Jefferson. Mesmo sem consagrar a integração esperada, a Previc era o início de uma nova concepção de regulação e supervisão. Quando derrubaram a MP 233, senadores da oposição alegaram que o PT estava apenas criando mais um órgão estatal para aparelhar com seus militantes. Como aconteceu em outros locais, uma boa idéia morreu no nascedouro. A integração dos órgãos de regulação e supervisão financeira tem sido uma tendência. Em vários países, a maioria das instituições regula conjuntamente sistema bancário, mercado de seguros e segmento de valores mobiliários. Na Austrália, Canadá, Dinamarca, Islândia, Noruega, Reino Unido e Suécia regulam-se também os fundos de pensão. Os fatores que têm levado os governos a buscarem a integração das instâncias de supervisão são: as inovações financeiras (novos produtos e maior complexidade); o surgimento de conglomerados financeiros; a demanda por coerência regulatória; a existência de zonas cinzentas nas atribuições e poderes das agências reguladoras; a globalização crescente dos serviços financeiros. Um interessante estudo feito para a OCDE por dois economistas do BID - Edgardo Demaestri e Gustavo Ferro - mostra que é vantajosa a integração da supervisão dos fundos de pensão com a de outros serviços financeiros na América Latina. Ajudaria a zelar por um mercado crescente numa região carente de instituições fortes e de poupança de longo prazo. "Na América Latina, é comum que os reguladores financeiros estejam envolvidos em muitas atividades heterogêneas que dizem respeito à regulação financeira. Por isso, o objetivo de proteção ao consumidor pode ser ignorada", adverte o estudo. No Brasil, onde as instituições do Estado funcionam de costas umas para as outras, a integração poderia fechar uma velha lacuna.