Título: Videogame tenta vencer piratas e taxas
Autor: João Luiz Rosa
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Empresas, p. B4

A indústria mundial de videogame deve encerrar o ano com negócios de US$ 50 bilhões e a projeção de superar os US$ 85 bilhões até 2006, o que significa um impulso de 71%. Os joguinhos vão tão bem que já superaram o cinema entre as chamadas indústrias criativas, de acordo com a ONU, e podem se dar ao luxo de contar com orçamentos milionários e prazos típicos de projetos científicos. A Microsoft investiu US$ 20 milhões na produção do título "Age of Mithology" e a Vivendi Universal gastou seis anos para concluir o Half-Life II, que está para ser lançado. No Brasil, o mercado potencial está entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão - um negócio nada desprezível -, mas o movimento atual está bem abaixo disso. "Os negócios no país estão entre US$ 60 milhões e US$ 70 milhões", estima Reinaldo Normand, diretor no Brasil da Oelli, que abre amanhã, em São Paulo, a Electronic Game Show (EGS), primeira feira brasileira dedicada exclusivamente aos jogos eletrônicos. Mesmo em relação ao México, uma economia parecida com a brasileira, a diferença é enorme. "Lá, os negócios já são de US$ 420 milhões por ano", informa Jorge Lizárraga, diretor geral da Oelli. Dois motivos estão na base desse descompasso, concordam os profissionais do setor. O primeiro é a carga tributária. Os tributos que incidem sobre os consoles de videogame representam um aumento de mais de 114% no preço do produto. Levando em consideração só as alíquotas de IPI e II, a carga sobre o console é de 80%, mais do que pagam os computadores (31%), os aparelhos de DVD (35%) e até as máquinas de videopôquer (40%). O outro ponto é a pirataria. Enquanto no México, o índice de ilegalidade é de 72% - e está em queda -, no Brasil a participação dos piratas é de 90%. "O cálculo é de que o mercado ilegal no país é cinco vezes maior que o oficial e movimenta entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões", diz Normand. Foto: Marisa Cauduro/Valor

Jorge Lizarraga e Reinaldo Normand (camisa branca), da Oelli: Tributos sobre os consoles dobram preço do produto

Com esse diagnóstico em mãos, as empresas do setor e o governo parecem dispostos, agora, a dar os primeiros passos para reverter o quadro e tornar o setor lucrativo, como em outras partes do mundo. É sob essa perspectiva que a Oelli pretende atrair 30 mil pessoas à versão brasileira da EGS, na qual os adeptos de games vão disputar 10 campeonatos, dividindo espaço com multinacionais que distribuem games, estúdios brasileiros de desenvolvimento e até o ministro da Cultura, Gilberto Gil, que vai anunciar o resultado de um concurso inédito de estímulo à produção local de games. Uma das questões centrais, segundo a indústria, é atrair os fabricantes de consoles, o segmento que atualmente puxa a indústria global de games. Nenhuma das três empresas que dominam o segmento - Sony (dona do PlayStation), Nintendo (GameCube) e Microsoft (Xbox) - tem produção local ou distribui diretamente seus produtos no país. Todos os equipamentos legais disponíveis são importados. O resultado disso é, com a carga tributária alta, os preços ficam proibitivos. Pelas contas da Oelli, um console oficial que custa US$ 150 nos Estados Unidos, por aqui sai entre US$ 500 e US$ 600, o que aumenta ainda mais o contrabando, alimentando uma espécie de ciclo vicioso. "A Microsoft tem interesse em entrar neste segmento no Brasil, mas a pirataria associada aos altos impostos torna difícil criar um modelo de negócios viável", diz Milton Beck, responsável pela área de entretenimento da multinacional no país. A resposta encontrada pelos mexicanos pode fornecer algumas indicações ao Brasil. Desde que os impostos foram reduzidos, por força dos acordos de cooperação com os EUA, os preços baixaram significativamente, diz Lizárraga. Hoje, um console no México custa, em média, por US$ 175. Isso estimulou a demanda e atraiu a Microsoft, que passou a fabricar o Xbox no país. Hoje, a empresa já não produz mais o console no México, mas o efeito positivo da medida persiste. "O mercado mexicano é o sétimo maior do mundo para o Xbox e supera Cingapura, Coréia, Taiwan e Hong Cong juntos", diz Beck, da Microsoft. O governo federal está disposto a rever a situação, mas quer fazer com que a desoneração funcione como um estímulo à produção local de games. "Estamos estudando como usar a Lei Rouanet, hoje empregada no cinema, e a Lei do Audiovisual, que prevê abatimentos no Imposto de Renda, para incentivar os jogos eletrônicos", diz Alfredo Monavy, assessor do ministério. "Já no ano que vem devemos ter algum tipo de incentivo." Monavy concorda que a tributação tem de ser revista, mas diz que só reduzir a carga tributária não foi suficiente para estimular outras atividades no país, como o cinema, que só ganhou fôlego quando foram criados mecanismos específicos de estímulo. Os fabricantes estão em compasso de espera. A Microsoft não tem planos para trazer o Xbox ao Brasil, mas está disposta a conversar com o governo, diz Beck. Já a Nintendo, que encerrou a parceria com a Gradiente e deixou de produzir o equipamento no Brasil, atua no país por meio da Motta International, uma empresa do Panamá que cuida de toda a distribuição da Nintendo na América Latina. A empresa vai apresentar na EGS seu novo console, o Nintendo DS, mas não há planos de voltar a produzir os equipamentos no país, informa a Motta. De qualquer forma, a expectativa da indústria é positiva. Mesmo com as dificuldades, calcula-se que há mais de 11 milhões de consoles de última geração no Brasil, um mercado que as empresas querem absorver.