Título: Brasil dá a mão à Grécia
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2010, Economia, p. 16

Governo anuncia empréstimo de US$ 286 milhões ao país que pode levar à Zona do Euro e o mundo ao colapso

Deco Bancillon Dezenove meses depois de o mundo ter assistido ao nascimento da mais grave crise financeira dos últimos 80 anos, o Brasil se vê novamente ameaçado por uma onda de insegurança que abala as economias mais ricas. Diferentemente do que fez o presidente Lula à época, quando disse que o tremor financeiro seria uma marolinha, desta vez o governo brasileiro decidiu agir. Ainda que tenha dito que o país não seria afetado pelos problemas fiscais que se alastram pela Zona do Euro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu que o país socorrerá a Grécia, onde se encontra o epicentro do caos que abalou o planeta nos últimos dias. A ajuda consiste em um empréstimo de US$ 286 milhões, dinheiro que sairá das reservas internacionais brasileiras e se somará ao pacote anunciado pelos europeus e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no último domingo, de 110 bilhões de euros (US$ 15 bilhões).

¿O Brasil é uma economia sólida. Temos mais de US$ 245 bilhões em reservas, e não seremos afetados por essa crise na Europa¿, disse Mantega. Para ele, o risco de contágio fiscal entre os países da Zona do Euro deve logo se dissipar. ¿Acredito que, nas próximas semanas, conseguiremos fechar um acordo e resolver o problema. Em junho, tem reunião do G-20 (grupo das 20 economias mais ricas do globo). Mas, antes disso, o G-7 (o clube das sete nações mais poderosas) deve tomar uma decisão. Até porque ficaria feio para o G-7 se nós (G-20) tivéssemos que ir lá e resolver para eles¿, afirmou.

Apesar da convicção do ministro de que o problema será logo resolvido, o mercado financeiro continua em estado de alerta. O temor é de que a Grécia ¿ onde três pessoas morreram em protestos contra cortes de salários e aposentadorias e aumento de impostos ¿ não consiga sanar todas as dívidas que tem com seus credores, condição imposta pelo FMI e países da União Europeia para aprovar o socorro. Essa insegurança refletiu-se no humor dos investidores. Pela quarta vez na semana, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBOVESPA) encerrou o dia em baixa.

O Ibovespa, principal índice de lucratividade do pregão paulista, registrou queda de 0,86%, aos 62.870,88 pontos. Foi o pior resultado desde 5 de fevereiro. Na semana, as perdas chegaram a 6,90%. O dólar, que vinha em trajetória de alta nos últimos dias, recuou 0,27%, para R$ 1,849. A baixa só não foi maior porque o Banco Central interveio no mercado e comprou dólares para favorecer as exportações do país. Antes dessa intervenção, a divisa registrava queda de 0,59%.

Logo no início da manhã, o mercado foi tomado por uma espiral de más notícias, que emanaram do continente asiático. Tóquio encerrou o pregão em queda de 3,10% e puxou para baixo as negociações na Indonésia (-2,54%), Índia (-1,43%) e Hong Kong (-1,03%). Cingapura destoou dos demais e fechou em alta de 1,39%. Na China, a bolsa de Xangai foi afetada pela inseguranças com a Grécia e despencou 2,43%. O nervosismo se estendeu à Europa, onde as bolsas fecharam em forte baixa. Em Paris, as perdas chegaram a 4,60%. Frankfurt, na Alemanha, recuou 3,27%. Já a Bolsa de Londres, que conjugou o fator-Grécia com o resultado das eleições para o Parlamento, perdeu 2,62%. Em Atenas, epicentro do maremoto financeiro, a queda chegou a 2,87%.

Libra derrete O mercado de câmbio também se viu às voltas de uma crise com a baixa da libra esterlina. A queda da moeda foi influenciada pelas insegurança de investidores com o futuro político do Reino Unido. O mau humor se deve ao fato de que, pela primeira vez, desde 1974, um partido não terá maioria no Parlamento britânico. A impossibilidade de o Partido Conservador, que ganhou o pleito, escolher um primeiro-ministro jogou para baixo a moeda da Inglaterra, que caiu para o menor nível desde 28 de abril de 2009.

No Brasil, os investidores procuraram se desfazer de posições em investimentos de risco e optaram pela segurança do dólar e dos treasures (papéis de dívida do governo norte-americano). Com a procura, o Tesouro dos EUA conseguiu desembolsar menos ao repassar esses papéis no mercado. Os juros pagos pelo treasury de 10 anos (título de referência) fecharam o dia em 3,43%.

Na quinta-feira, quando o mundo foi tomado por uma onda de pessimismo semelhante ao dia da quebra do banco de investimentos Lehman Brothers (15 de setembro de 2008), esses papéis pagaram juros ainda mais baixos: de 3,39% ao ano. ¿Esse patamar mostra um aumento da aversão ao risco e um nervosismo muito grande no mercado. Se nada melhorar daqui para frente, esse deve continuar sendo o cenário no curto prazo¿, disse o economista João Pedro Ribeiro, da consultoria Tendências.

A incerteza dos investidores se deve ao fato de as respostas políticas aos acontecimentos na Grécia terem sido mais demoradas do que o que se previra. A aprovação do empréstimo de 22,4 bilhões de euros pela Alemanha aos gregos só saiu ontem. Ainda assim, sob forte protesto da população alemã, que é contra o pacote de ajuda costurado pelo FMI.

¿A crítica do mercado é a que a União Europeia tem reações muito tardias. Durante toda a semana, a sensação que ficou foi a de que os sinais políticos não foram tão confiantes como se gostaria. É sabido o tamanho do problema e as respostas não têm sido na velocidade e na contundência necessárias para afastar todas as incertezas¿, afirmou a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif.

O Brasil é uma economia sólida. Temos mais de US$ 245 bilhões em reservas, e não seremos afetados por essa crise na Europa¿

Guido Mantega, ministro da Fazenda

O número 6,90 % Queda acumulada na semana pela Bolsa de Valores de São Paulo