Título: Uma extemporânea operação tapa-buracos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2006, Opinião, p. A10

A situação das rodovias federais e várias estaduais é o paradigma do estado da infra-estrutura no país. Elas se tornaram caminhos da morte e do desperdício. Foram sucateadas por inépcia conjunta da União e dos Estados. O pacote de R$ 400 milhões anunciado pelo governo federal para a pavimentação de 14,5 mil quilômetros tem a virtude da imperiosa necessidade, mas está coalhado dos defeitos típicos de realizações apressadas e ditadas pelo calendário eleitoral. É ótimo que as rodovias sejam objeto de atenção concentrada. É pena que o governo Lula tenha acordado muito tarde para isso. Uma comédia de políticas equivocadas e incompetência resultou na tragédia das estradas brasileiras. O superávit primário perseguido pelo governo, absolutamente necessário, foi feito sem critério de prioridades. A execução orçamentária não tem dado a devida atenção à urgência da melhoria da infra-estrutura, ao passo que a vigilância sobre os gastos correntes foi leniente - eles continuam subindo. Como a meta de aperto fiscal é para valer, o aumento das despesas correntes significa, fatalmente, corte nos investimentos. Esse mix está errado e é ele que pode explicar por que, mesmo com os seguidos aumentos da carga tributária, os investimentos públicos estão há um par de anos estacionados em miseráveis 0,4% do Produto Interno Bruto. Mas, mesmo respeitando-se a meta de 4,25% do PIB, era possível fazer mais e melhor do que o governo Lula produziu. Os Estados nada fizeram pelas estradas quando a União passou a eles a responsabilidade de conservação. Eles gastaram o repasse de verbas em salários de funcionários e outras coisas mais, uma atitude completamente irresponsável. A União colaborou com erros graves. Ela criou um imposto, mais um - a Cide - destinado exclusivamente para o setor e que arrecadou bastante dinheiro. De janeiro a novembro deste ano, as receitas com a Cide totalizaram R$ 7 bilhões. Pouco mais da metade disso foi liberada - o que é até muito, em relação aos anos anteriores. O grosso das verbas foram para a vala comum do superávit primário. Mais: nem todo o dinheiro foi usado nas estradas, mas se perdeu no pagamento de passagens de funcionários, plano de saúde etc. Há aspectos vergonhosos nessa situação. O Tribunal de Contas da União tenta já há mais de dois anos fazer com que o governo cumpra a lei e use a Cide nos objetivos para os quais foi criada, sem sucesso. Como a economia com vacinas da febre aftosa, o desvio da Cide para compor o superávit primário é uma economia burra. A conta chega depois, muito mais cara. Para um governo que teve receitas nas mãos e não cumpriu o que a lei mandava, e que contingenciou R$ 2,4 bilhões do Ministério dos Transportes, o mutirão tapa-buraco surgiu por inspiração eleitoral. Não é novidade, o governo de Fernando Henrique Cardoso usava dos mesmos expedientes. Vale a pena correr os riscos das acusações se os projetos são bons para o país e não apenas para o governante que está de olho nas urnas. Há, porém, inconvenientes demais na rota do tapa-buracos. Especialistas apontam que o montante de R$ 400 milhões é pequeno para consertar a extensão desejada. A época escolhida para o início das obras, marcada pelas chuvas, é claramente desaconselhável. Uma carta de associações de empreiteiras ao presidente Lula critica a falta de informações sobre o processo de contratação das obras e seleção de empresas. Há 7 mil quilômetros dispensados de licitação O governo perdeu grande parte de sua credibilidade com os escândalos de corrupção. A rapidez em entregar obras a empreiteiras pode ser uma porta aberta para superfaturamento e escolhas dirigidas em troca de favores - um velho esquema de corrupção entre governo e construtoras que manchou a reputação de ambos e sangrou os cofres públicos há não muito tempo. Os custos dos trechos que não serão licitados não estão claros. O Ministério orientou o órgão encarregado das obras a adotar critério de preços inferiores ao de referência em outras licitações (Folha de S. Paulo, 7 de janeiro). Mas, ao que parece, não só não haverá desconto como o preço será o dobro - R$ 25,2 mil por quilômetro, ante R$ 13,3 mil das obras licitadas (O Estado de S. Paulo, 9 de janeiro). O governo deveria tornar-se "eleitoreiro" durante todo seu mandato, realizando as obras que o país necessita. É tradição no Brasil que isso só aconteça quando as urnas estão por perto. O PT veio para acabar com isso e preferiu adequar-se, sem dores de consciência, ao status quo.