Título: Sobretaxas ao suco nos EUA terão pouco efeito no Brasil
Autor: Fernando Lopes
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2006, Agronegócios, p. B9

Mercado Reflexos serão mais políticos e estratégicos do que comerciais

São muito mais políticos e estratégicos do que comerciais os reflexos da imposição, por decisão do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, de sobretaxas à entrada naquele país de suco de laranja produzido pelas principais indústrias brasileiras. Fontes ligadas às empresas observam que a participação dos EUA nos embarques nacionais do produto já é inferior a 20% desde a safra 1995/96, mas lembram que as negociações entre as respectivas cadeias produtivas em busca de uma agenda comum não deverá evoluir enquanto a disputa em torno das novas alíquotas perdurar. Na safra 2004/05, encerrada em junho, os embarques de suco de laranja do Brasil somaram 1,411 milhão de toneladas e renderam cerca de US$ 1,4 bilhões, segundo a Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus), que reúne as principais indústrias. Os países do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), onde os EUA representam 75% das compras, absorveram menos de 213 mil toneladas dessas vendas. Em 1990/01, por exemplo, o Nafta respondeu por 38,6% de embarques pouco superiores a 786 mil toneladas . Segundo especialistas, apesar de alguns "soluços" determinados por situações conjunturais, a perda de importância do mercado americano foi progressiva do início da década passada para cá, e dificilmente poderia ser diferente. Em primeiro lugar, diz o professor e pesquisador Matheus Kfouri Marino, do Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial da Universidade de São Paulo (PENSA/USP), porque os EUA têm uma produção local importante, mas de custos elevados. Nos EUA, a citricultura é concentrada na Flórida, enquanto São Paulo responde por mais de 80% da produção brasileira de suco. As principais indústrias do Brasil representam também 80% das exportações globais, enquanto aos americanos cabe quase a totalidade da participação restante (Espanha e México também exportam). Essa concorrência, afirma Marino, alimenta a postura protecionista americana, que, conforme outras fontes, chega a desafiar a lógica. No momento, notam, são crescentes as exportações do Brasil para os EUA por conta da escassez de oferta naquele país depois dos prejuízos à citricultura local causados pela passagem de furacões. "O consumidor americano está pagando mais com as sobretaxas", afirma um analista. Isso em uma época de cotações internacionais em alta em virtude da menor oferta americana e da consequente redução de estoques nos EUA e no Brasil. Na bolsa de Nova York, os contratos de segunda posição de entrega do suco acumulam alta de 59,71% nos últimos doze meses. Estudo de Marino e dos também pesquisadores do PENSA André Meloni Nassar e Marcos Fava Neves mostra que o protecionismo americano faz uso de tarifas específicas e mistas. As maiores restrições estão no suco concentrado, que chega a pagar, dependendo dos preços, tarifa ad valorem de 56%. "Ainda assim, o Brasil é mais competitivo. Estima-se que os custos de produção americano sejam até 100% maiores", afirma Marino. A postura de Washington levou indústrias brasileiras como Cutrale e Citrosuco, ambas sobretaxadas segundo a decisão de segunda-feira do Departamento de Comércio, a investir em instalações nos EUA para atender a seus principais clientes locais - Coca-Cola e Pepsi, respectivamente -, o que também dilui o efeito da nova tarifa extra. Segundo estimativas, empresas brasileiras respondem por até 50% da produção americana de suco. E, finalmente, a diversificação dos mercados para o suco brasileiro contribuiu para minar a fatia americana nos embarques. Vendas para Ásia e Leste Europeu são crescentes, mas também sem ameaçar a União Européia, desde sempre o principal mercado para as vendas brasileiras. Em 2004/05, a participação da UE chegou a quase 70%. Ainda assim, reiteram fontes ligadas às indústrias, animosidades com os EUA prejudicam o combate conjunto a doenças que ameaçam os pomares de laranja dos dois países - como o greening - e o estabelecimento de estratégias comuns de abertura de mercados e valorização de preços no exterior.