Título: Rússia e Brasil vão rever acordo sanitário bilateral
Autor: Alda do Amaral Rocha e Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Agronegócios, p. B10

Carnes Com o fim parcial do embargo, foco já está na futura barganha

A Rússia, que suspendeu ontem parcialmente o embargo às carnes brasileiras, vai rever o acordo sanitário assinado com o Brasil no fim dos anos 90. Por esse acordo, quando um Estado brasileiro registra casos de febre aftosa, os Estados vizinhos ficam proibidos de exportar à Rússia por um ano. Fontes russas afirmam que a revisão estaria no "pacote de benefícios" que Moscou está apresentando a Brasília como contrapartida na negociação para vender aviões-caça ao país. A revisão contemplaria a divisão do país em áreas livres de aftosa, como já está previsto pela Organização Internacional de Epizootias (OIE). Por esse critério, uma área afetada pode voltar a exportar após períodos que variam de seis meses a dois anos, depois de tomadas medidas de controle. As regiões vizinhas não ficam impedidas de exportar. No dia 20 de setembro, a Rússia suspendeu as compras de carnes brasileiras, de todos os Estados exportadores, após a descoberta de um caso de aftosa em Careiro do Várzea (AM). Ocorre que a região não está na área livre de aftosa e nem é exportadora. Ontem, o Ministério da Agricultura recebeu um comunicado oficial do Serviço Federal de Inspeção Veterinária e Fitossanitária da Rússia informando que seriam retomadas as compras de carnes de Santa Catarina, único Estado reconhecido pela OIE como livre de aftosa "sem vacinação". Os 14 Estados que têm status internacional de livre "com vacinação" seguem sem poder exportar. A medida surge poucos dias antes da chegada do presidente russo Vladimir Putin ao país. Os veterinários russos que chegaram ao Brasil no fim de semana discutirão a revisão com funcionários da área de sanidade do Ministério da Agricultura. "A revisão do acordo está sendo elaborada para determinar os mecanismos de controle sanitário", disse Ara Abramian, presidente do Comitê para o Fomento de Negócios Rússia-Brasil, após solenidade de criação do Conselho Empresarial Brasil-Rússia, em São Paulo. Pratini de Moraes, presidente da Abiec (reúne exportadores brasileiros de carne bovina) e do novo conselho, disse que é "preciso rever o acordo sanitário com a Rússia para evitar novos problemas". Ele acrescentou que, para entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC), a Rússia terá de seguir regras internacionais, como as da OIE. Pratini afirmou esperar que o embargo aos demais Estados seja levantado "nos próximos dias". Pelo lado russo, Abramian falou em solução num "futuro próximo", mas não respondeu se isso ocorreria antes da chegada de Putin. Ele fez questão de frisar que a "Rússia quer a carne brasileira". Pratini disse, na entrevista conjunta com Abramian, que um dos motivos para o embargo a Santa Catarina ter sido levantado é que os preços da carne já estavam em alta na Rússia por causa da suspensão. O ministro da agricultura Roberto Rodrigues, que participou ontem do Seminário Nacional sobre Biocombustíveis, em Piracicaba (SP), afirmou que a decisão [de retomar as compras catarinenses] do governo russo "foi um gesto de boa vontade" já que Santa Catarina é o único Estado livre de febre aftosa sem vacinação no país. Apesar de a Rússia alegar que a situação sanitária no Brasil não é segura, fontes brasileiras não se cansam de afirmar que o problema é comercial. O fato é que o fluxo de negócios favorece o Brasil, que até setembro exportou US$ 1,2 bilhão à Rússia, e importou US$ 575 milhões. Até autoridades russas admitem que a questão da carne está ligada à licitação de US$ 700 milhões para a aquisição de 12 caças para a Força Aérea Brasileira (FAB). A Sukhoi, fabricante russa de aviões militares, está na disputa com a Embraer para a licitação. Segundo essas autoridades, as deliberações sobre a importação de carne e da venda de aviões são interdependentes. Se a Sukhoi vencer a licitação para os caças, o governo russo ofereceria ao Brasil pacote de US$ 3 bilhões, envolvendo transferência de tecnologia e redução nas tarifas de exportação para a Rússia. Além disso, a Embraer poderia ser beneficiada com a exportação de aviões para a Aeroflot. Para o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, as regras sanitárias impostas pela Rússia não fazem sentido. Especialistas em sanidade concordam e dizem que não há base científica para os embargos. Uma fonte que participou da negociação do acordo sanitário do fim dos anos 90 reconhece que o Brasil cedeu para abrir o mercado russo às carnes e acabou aceitando exigências nunca antes feitas. Hoje técnicos russos visitam a empresa veterinária Merial, na região de Campinas, e amanhã vão a Maringá (PR), para depois seguirem para o Amazonas. No sábado haverá uma reunião, em Brasília, para avaliar esses trabalhos, já com a presença do vice-ministro russo da Agricultura, Sergei Dankvert, que vem ao Brasil com o Putin.