Título: Rato prescreve reformas que o governo posterga
Autor: Alex Ribeiro e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2006, Finanças, p. C8

FMI e o Brasil Diretor-gerente do Fundo defende disciplina fiscal

Na cerimônia que comemorou o pagamento antecipado da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o diretor-gerente do organismo, Rodrigo de Rato, prescreveu nova rodada de reformas econômicas ao Brasil e alertou que o país não pode relaxar na disciplina fiscal. Ele citou, em particular, cinco pontos: fim do crédito direcionado, redução de barreiras comerciais, reforma trabalhista, diminuição da rigidez orçamentária e simplificação no processo de abertura de empresas. Minutos antes do discurso de Rato, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi menos específico ao listar as reformas necessárias ao país, citando a necessidade de "dar seqüência às importantes reformas microeconômicas que têm sido implementadas nos últimos anos, assim como buscar uma maior eficiência e simplificação da estrutura tributária". Rato alertou que, sem novas reformas, a capacidade de crescimento futuro da economia brasileira poderá ser prejudicada. "A menos que consiga elevar as taxas internas de poupança e investimento e acelerar o aumento da produtividade, em pouco tempo o Brasil voltará a se defrontar com as limitações de capacidade que impedem os surtos de alto crescimento de se tornarem sustentáveis", disse. Ele elogiou medidas recentes para o aumento da eficiência do sistema financeiro, como a aprovação da Lei de Falências, mas ponderou que "haveria importantes dividendos adicionais numa gradual redução do crédito direcionado, de modo a dar um maior papel ao mercado na alocação da poupança". No ano passado, o Ministério da Fazenda tentou levantar o debate sobre a revisão dos direcionamentos de crédito - como o imobiliário, rural e do BNDES -, mas as propostas foram bombardeadas por integrantes do próprio governo e não seguiram adiante. Rato foi além nas suas recomendações: "A julgar pela experiência de outros países, as áreas prioritárias provavelmente seriam a redução das barreiras comerciais restantes, a simplificação dos processos de abertura e regulamentação de empresas e a garantia de que a legislação trabalhista seja compatível com a expansão do emprego". O diretor-gerente do FMI também disse que, no aspecto fiscal, a maior lição é a de que "não se pode relaxar a disciplina após colher os primeiros frutos". Questionado se um superávit primário de 4,25% do PIB seria suficiente, Rato afirmou que apóia a meta do governo, mas deixou claro que um esforço ainda maior é bem-vindo. "Não sei se a virtude tem limites", declarou. "Não foi nenhuma má notícia para o Brasil que em 2005 o superávit foi maior que a meta", afirmou. Outra recomendação do diretor do FMI foi a redução da rigidez orçamentária - na receita e na despesa -, que liberaria recursos valiosos para atender as necessidades de investimento público e programas sociais. Rato também acredita que dois importantes indicadores macroeconômicos brasileiros terão comportamento positivo nos próximos quatro ou cinco anos: inflação abaixo dos 4% e dívida líquida do setor público inferior a 40% do PIB. As condições para esse ambiente, segundo ele, são a manutenção das políticas macroeconômicas e o crescimento sustentado da economia. O presidente Lula, em seu discurso, defendeu a ampliação da cota brasileira no Fundo, para que o país tenha mais peso nas decisões do organismo. Rato disse que esse tema já teve seu debate iniciado, mas ponderou que "o papel do Brasil não depende só de sua cota". Segundo ele, a credibilidade das políticas implementadas pelo país já ampliam sua influência nos fóruns de debate internacional. Lula também prometeu que o cenário econômico e financeiro deste ano eleitoral será muito diferente daquele de 2002. "Como já reafirmei inúmeras vezes, não permitirei que interesses eleitorais comprometam a nossa estabilidade financeira", disse. "Não tomaremos medidas que produzem vantagens aparentes no curto prazo, mas que causem problemas mais adiante. Meu único compromisso é com o bem-estar atual e futuro do povo brasileiro", garantiu. O evento de ontem marcou o pagamento antecipado de uma dívida de US$ 15,5 bilhões do país com o FMI, liquidada em dezembro. Rato manteve uma intensa agenda em Brasília. Encontrou-se pela manhã com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, reuniu-se no almoço com o ministro Palocci e ainda foi ao Palácio do Planalto. "Estou feliz pelo fato de que neste ano de 2006 o Brasil inaugura uma nova fase de relacionamento com o FMI. Desde abril de 2005, não se faz mais necessária a renovação do programa com o Fundo", disse o ministro. Lula também festejou o pagamento: "No mundo contemporâneo, dificilmente um país em crise consegue sobreviver sem o apoio da comunidade internacional. Mas essa deve ser uma situação transitória. Um país só encontra o caminho do desenvolvimento sustentável quando cria condições para caminhar com as próprias pernas", declarou o presidente. Rato contestou as avaliações segundo as quais os recentes pagamentos de grandes países devedores - Brasil e Argentina - esvaziaria a importância do organismo. O diretor-gerente afirmou que o FMI não serve apenas para financiar economias em crise, mas para debater e aconselhar seus 184 integrantes sobre políticas econômicas. (Colaborou Paulo de Tarso Lyra, de Brasília).