Título: Participação da China nas importações quadruplica em 6 anos
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2006, Brasil, p. A3
Comércio exterior Para alguns setores da indústria, produto chinês já equivale a mais de 10% da produção
"Não importa o tamanho da montanha. Ela não pode tapar o sol". Esse provérbio milenar é repetido popularmente na China. A mensagem não podia ser mais clara - não adianta lutar contra o inevitável - e assusta os empresários brasileiros que observaram a participação dos produtos chineses nas importações do país baterem o recorde de 7,3% no ano passado. Foi uma escalada. Em 1999, as importações vindas da China respondiam por 1,8% das compras externas brasileiras. Naquele ano, o Brasil desvalorizou sua moeda, que estava fixa ao dólar. A medida esvaziou a euforia das importações do Plano Real, mas as compras de produtos chineses fizeram o caminho inverso. A fatia da China nas importações brasileiras subiu para 2,2% em 2000, 2,4% em 2001, 3,3% em 2002, 4,5% em 2003 e 5,9% em 2004, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). Em 2005, a Ásia foi a única origem das importações brasileiras que ganhou espaço no mercado, deslocando todas as demais. O market-share dos produtos asiáticos, alavancados pela China, subiu de 19,5% em 2004 para 22,9% em 2005. A fatia da União Européia caiu de 25,4% para 24,7% no período, e a dos Estados Unidos de 18,3% para 17,5% e a da América Latina de 16% para 15,7%. As importações de produtos chineses cresceram 45,4% em 2005, muito acima da média de 17% do total das compras externas brasileiras. O superávit do Brasil com a China minguou de US$ 2,4 bilhões em 2003 para US$ 1,5 bilhão em 2005. Dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) demonstram que as importações chinesas representavam apenas 1,1% da produção de manufaturados do país em 2005. Essa fatia cresceu desde 1999, quando estava em 0,2%, mas segue pequena. É na análise setorial que a participação fica expressiva. Em 1999, os instrumentos médicos-hospitalares chineses respondiam por 0,5% da produção brasileira. No ano passado, essa participação atingiu 15%. Em material eletrônico e equipamentos de comunicações, a fatia das importações chinesas em relação a produção saiu de 1,2% em 1999 para 9,8% em 2005. "Esse movimento não ocorre apenas no Brasil. A indústria de eletroeletrônicos e de comunicações migrou para a China. As companhias estão transferindo as linhas de produção", esclarece Maurício Mesquista Moreira, economista do BID. Segundo o Conselho Empresarial Brasil-China, 57% das exportações industriais da China em 2004 foram realizadas por investidores estrangeiros. Nos segmentos de alta tecnologia, como eletroeletrônicos ou bens de capital, esse percentual chega a 85%. "A China é uma plataforma de produção por conta do baixo custo e da escala do mercado interno", diz Renato Amorim, secretário-executivo do conselho. As reformas do sistema comunista chinês em direção a um modelo de economia de mercado, no qual o motor do crescimento é o comércio exterior, começaram em 1978. As mudanças se consolidaram nos anos 80 e 90. A partir de 2000, o fluxo de comércio entre China e América Latina cresceu. O aumento das vendas de produtos chineses aos países latino-americanos foi provocado pelo deslocamento das multinacionais para a China e pelo "esgotamento" do mercado americano. A presença chinesa nos Estados Unidos aumentou velozmente, provocando reações políticas. "Por isso, a China partiu para a diversificação de mercados", diz Moreira, do BID. A participação da China nas importações de manufaturados dos EUA, que era de 3,9% em 1990, saltou para 17,9% em 2004, segundo dados do BID. No Mercosul, a parcela de produtos chineses nas importações de manufaturados passou de 0,6% em 1990 para 7% em 2004. No México, saiu de 1,2% para 8,2% no mesmo período. "Em relação aos EUA, o Brasil ainda está em um processo inicial da entrada dos produtos chineses", diz ele. Para Humberto Barbato, diretor de comércio exterior do Centro das Indústrias do Estados de São Paulo (Ciesp), está ocorrendo uma transferência das plantas de eletrônica de alta tecnologia dos EUA para a China: as multinacionais americanas produzem semicondutores, equipamentos de telecomunicações e de informática na China. As importações brasileiras de circuitos integrados e microconjuntos eletrônicos vindos da China aumentaram 36,4% de janeiro a novembro de 2005 ante igual período de 2004, para US$ 197 milhões. O Brasil adquiriu um volume superior de circuitos nos EUA -US$ 257,7 milhões, mas esse valor é 15% menor que em igual período do ano passado. Embora menos representativos em volume, segmentos como têxtil, brinquedos e calçados estão em dificuldades com a concorrência chinesa. Alguns estão solicitando ao governo que aplique salvaguardas contra a China. Já foram entregues ao Ministério do Desenvolvimento pedidos de investigação de salvaguardas para 25 produtos - muitos do setor têxtil. Enquanto analisa os dados, o governo está negociando com os chineses um acordo de restrição voluntária para o setor têxtil. As negociações estão avançadas e uma missão de técnicos brasileiros embarca para a China esse mês. A data não foi definida, mas a viagem pode ocorrer neste sábado. "Se o Brasil não fizer uma política industrial, é natural que a China siga ganhando espaço", diz Barbato. O professor de economia da Univesidade de Cambridge, Gabriel Palma, concorda. "Está bem claro o papel de China, Índia e México na globalização. Mas qual é o papel da indústria brasileira?", pergunta o professor. Palma é otimista e acredita que o Brasil pode definir seu caminho e contrariar o provérbio chinês, enfrentando a inevitável concorrência do país. Mas o tempo é curto.