Título: Enfim, medidas para coibir o uso do caixa 2
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2006, Opinião, p. A10

A Justiça Eleitoral tem um papel histórico na construção da democracia brasileira. Quando foi constituída, em 1932, passou a deter o poder sobre todo processo eleitoral, atribuição antes destinada ao juiz de paz, freqüentemente nomeado e submetido ao poder político local. As garantias dadas aos juízes eleitorais, como inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, teoricamente colocaram-nos fora da esfera de influência do poder político, já que o chefe local deixou de dispor de poderes de pressão diretos sobre eles. A simples criação de uma Justiça Eleitoral e nomeação de juízes inamovíveis, é lógico, não teve o poder de desmontar uma estrutura política patrimonialista consolidada na alma brasileira. Os juízes, com todas as suas prerrogativas, estavam diante de um poder de força do chefe político local que continuou inabalado. Além disso, era possível que um chefe político conseguisse a nomeação de um juiz simpático ao seu grupo político, que seria credor desse favor. O TSE, no entanto, por não ter ligação direta com a política local, tornou-se uma peça importante do sistema eleitoral. Em regra, é um tribunal apolítico - embora existam exceções, como é o período em que o tribunal foi presidido pelo ministro do STF e ex-deputado peemedebista Nelson Jobim, que deu uma orientação nitidamente política a suas decisões. O atual TSE, presidido pelo ministro Carlos Velloso, parece retomar o seu papel. Após nove meses de uma crise política decorrente da exposição pública dos caixas 2 de campanha eleitoral, o Tribunal é o único que tem se preocupado em propor medidas que podem reduzir as irregularidades de financiamento de campanha. Velloso propôs ao Congresso um anteprojeto de mudanças no Código Eleitoral e na legislação partidária, criminalizando de fato o caixa 2 e o abuso do poder econômico e instituindo penas efetivas para esses delitos. O Legislativo, que dorme no berço esplêndido de uma modorrenta convocação extraordinária, não se ocupou do anteprojeto. Esta semana, o TSE divulgou normas de caráter claramente profilático, que deverão vigorar nas eleições de outubro. Uma das mais importantes é a que define a responsabilidade do candidato sobre a arrecadação e prestação de contas eleitorais, não mais apenas a do tesoureiro. Se isso estivesse em vigor no passado, enfrentaria a Justiça Eleitoral não apenas Cláudio Mourão, tesoureiro de campanha do senador Eduardo Azeredo quando este concorreu à reeleição para o governo de Minas, em 1978, mas o próprio candidato; e não apenas o tesoureiro Delúbio Soares, mas todos os beneficiários do caixa 2 do PT nas eleições municipais de 2004. Com a norma do TSE, os partidos deixam de fazer o que sempre faziam: nomear um tesoureiro com poder ilimitado para arrecadar, mas com responsabilidade exclusiva sobre o que se considerava um mal necessário em campanhas, a arrecadação de dinheiro "por fora", inclusive de empresas que poderiam se expor ao darem contribuições legítimas se, no momento seguinte, já com um governo eleito, fossem favorecidas por medidas ou em licitações públicas. O TSE definiu outras normas destinadas a coibir a arrecadação ilegal de campanha. Não será permitida a doação em dinheiro, apenas em cheque ou por transferência eletrônica, direto para a conta do candidato registrada com um CNPJ eleitoral e aberta para a campanha. Os candidatos têm que apresentar balancetes quinzenais à Justiça Eleitoral e esses dados estarão disponíveis na Internet - o eleitor ficará sabendo, durante o processo eleitoral, que empresas contribuíram para a campanha do candidato. Os saques da conta eleitoral só poderão ser feitos em cheque nominal. Um outro mecanismo de controle instituído foi a possibilidade de qualquer eleitor apresentar denúncia de irregularidades nas contas dos candidatos e dos partidos já durante a campanha. É uma medida que permite ao TSE e à Receita manterem sob vigilância os partidos ainda durante o processo eleitoral, e não apenas no momento seguinte, quando da prestação oficial de contas dos candidatos. As medidas teriam mais efetividade se fossem aprovados, junto, os projetos propostos pelo TSE, que definem penas efetivas - e rigorosas - para crimes eleitorais. O Congresso, no entanto, não mostra interesse nisso. Afinal, os políticos são os principais beneficiários de uma legislação frouxa, que torna a punição quase impossível.