Título: Estratégias prováveis para a política monetária em 2006
Autor: Mário Mesquita
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2006, Opinião, p. A10

Em um cenário favorável, cortes de taxas de juros poderão levar a Selic para 14% ao ano

A política monetária tem sido objeto de acirrado debate nos últimos meses, em especial depois da queda do PIB no terceiro trimestre de 2005. Entretanto, é preciso reconhecer que as perspectivas para a política monetária são bastante favoráveis. Há um ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) encontrava-se em pleno ciclo de aperto, sem aparentemente lograr êxito em reverter a deterioração das expectativas de inflação. Estas, de fato, só passaram a convergir em direção às metas a partir do segundo trimestre. As autoridades conseguiram trazer as expectativas de inflação para as metas, abrindo espaço para um ciclo de relaxamento de política monetária que ainda parece estar longe de terminar. Duas importantes questões que se colocam são o limite do relaxamento monetário e a estratégia apropriada para testá-lo. Desde a implantação do regime de metas de inflação, houve dois momentos em que foram testados pisos para a Selic. Em janeiro de 2001, a Selic caiu para 15,25% ao ano, seu mínimo histórico, e em abril de 2004 atingiu 16% ao ano. Em termos reais, isso representa 10,6% e 9,9% ao ano, respectivamente. Em ambos os casos, as autoridades monetárias foram levadas a iniciar ciclos de alta de juros poucos meses depois de ter atingido tais mínimos. Vale enfatizar que o Banco Central não persegue metas para a Selic real. Os números acima apenas ilustram os patamares de juros em que, no passado, a trajetória esperada da inflação, por diversas razões, começou a incomodar as autoridades monetárias. Ao contrário do que sugere a crítica mais superficial, o Banco Central vem sinalizando que pretende, sim, testar os limites inferiores da Selic durante este ciclo de relaxamento monetário. Dentro desta visão, o conservadorismo no curto prazo abriria espaço para uma maior magnitude de ajuste a médio prazo. Tomando os dados acima e supondo que a meta de inflação de 4,5% ao ano para 2006-2007 seja crível, o processo de relaxamento monetário se esgotaria com a taxa básica próxima a 14% ao ano. E, mantida a atual estrutura a termo, a taxa de um ano recuaria para 12% ao ano. Tais níveis seriam novos mínimos históricos para as taxas de juros no Brasil. O debate técnico, e não ideológico, refere-se, portanto, à estratégia a ser adotada. As autoridades monetárias parecem estar tendendo a um approach gradual, no qual a consistência substituiria os movimentos abruptos de ciclos anteriores. A visão subjacente parece ser que a economia responde mais prontamente à descompressão monetária do que à contração, e que consequentemente um estímulo rápido poderia gerar aceleração exagerada da demanda, talvez inconsistente com o ritmo de expansão da oferta, plantando as sementes de uma eventual retomada da inflação. Neste sentido, a percepção é de que a desaceleração ocorrida no terceiro trimestre foi passageira, e não o limiar de um período recessivo, e que sob estas condições seria importante consolidar o processo de desinflação da economia. É cedo para dizer se os últimos, pouco brilhantes, números sobre a atividade econômica mudaram tal diagnóstico. Tal postura seria, ao menos no curto prazo, mais onerosa do ponto de vista fiscal, mas poderia criar espaço para colocação mais agressiva de títulos prefixados se conseguir aumentar a confiança dos investidores na permanência da inflação baixa, o que reforçaria a eficácia da política monetária ao longo do tempo. O risco da estratégia gradualista, diante da escassez de indicadores antecedentes de atividade econômica confiáveis, seria o de superestimar a rapidez do impacto da política monetária sobre os preços, gerando custos sobre a atividade além do necessário para o cumprimento das metas.

Riscos maiores estarão nas pressões por aumento nos gastos públicos e nas medidas para acelerar a recuperação econômica

Uma estratégia mais agressiva poderia ser perseguida se o real voltasse a se apreciar frente ao dólar, o que contribuiria para reduzir a inflação corrente e as expectativas de inflação. Tal movimento é bastante possível, diante da cômoda situação de liquidez internacional e dos robustos saldos comerciais gerados pela economia. Entretanto, as autoridades monetárias parecem preferir, no atual cenário, reforçar as defesas do país contra a vulnerabilidade externa, comprando reservas e atuando para minimizar o descasamento cambial do governo, o que tem impedido novo fortalecimento do real. Dado o passado de crises externas recorrentes, tal postura é compreensível, ainda que tenha efeitos colaterais. Qualquer que seja a estratégia eventualmente implementada, as chances de sucesso seriam maiores se a política fiscal continuar ajudando. O rígido controle dos gastos públicos, com o superávit primário permanecendo nos níveis atuais, tenderia a abrir espaço para um relaxamento monetário mais prolongado e poderia até criar condições para cortes de impostos que favoreceriam o investimento. Infelizmente, o melhor que podemos, aparentemente, esperar para 2006 é a continuidade do processo de ajuste fiscal pelo lado das receitas observado nos últimos anos. Os preços internacionais de commodities tendem a permanecer em níveis elevados, mas não devem subir mais. Por outro lado, a inflação excepcionalmente baixa do IGP-M em 2005 abre espaço para aumentos limitados dos preços administrados em 2006, uma herança benigna a ser devidamente explorada pelas autoridades monetárias. Resumindo, as perspectivas para a política monetária em 2006 parecem excepcionais, podendo permitir cortes de taxas de juros que, em um cenário favorável, trariam a Selic para algo como 14% ao ano. Em um cenário menos otimista, mas provável, poderíamos ver a taxa básica voltar a se aproximar de seu mínimo histórico ainda este ano. Nos próximos meses, o ritmo de descompressão monetária provavelmente será ditado pelos sinais sobre a atividade econômica, tais como os indicadores mensais de produção industrial e vendas. Olhando o resto do ano, desta vez parece que os riscos maiores estariam nas diversas pressões por aumentos de gastos públicos e outras medidas destinadas a acelerar uma recuperação econômica que, a julgar pelas expectativas vigentes no mercado, parece já estar contratada.