Título: Sobre riscos e lucros
Autor: Daniele Camba, Felipe Frisch e Flavia Lima
Fonte: Valor Econômico, 17/11/2004, Eu & Investimento, p. D1

Intervenção no Banco Santos mostra a importância de conhecer onde se está aplicando

A intervenção do Banco Central (BC) no Banco Santos reacendeu a discussão em torno da importância da avaliação de risco nas aplicações. Muitos esquecem o princípio de que qualquer investimento envolve algum tipo de risco e se deixam levar por promessas de rentabilidade extraordinária. Alternativas classificadas como "seguras" - até mesmo a insuspeita caderneta de poupança - podem esconder a possibilidade nada pequena de perdas, especialmente para os investidores que possuem mais de R$ 20 mil para aplicar, e que estão além do limite do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) por CPF. Em geral, o risco é proporcional ao retorno, portanto, é preciso desconfiar quando a esmola é demais. Há três principais riscos que o investidor pode correr. O primeiro é o de crédito, que representa a possibilidade de o emissor do papel - um CDB ou uma debênture, por exemplo - deixar de pagar ou quebrar. Esse risco é o mais grave, pois pode significar a perda total do valor aplicado. Ele vai variar de acordo com o perfil do devedor - uma grande companhia, conhecida, teoricamente representa um risco menor que uma pequena. Mas basta lembrar da lista de bancos que quebraram - entre eles Nacional e Bamerindus - para ver que uma boa marca não é tudo. Nesses casos, o fato de envolver um número enorme de correntistas e colocar em risco o sistema financeiro justificou o socorro do BC por meio do Proer, que acabou "salvando" os aplicadores com a transferência para outros bancos. O menor risco de crédito seria o do governo federal, apesar de as experiências como a do Plano Collor justificarem algum receio. E, mesmo sem um fato concreto, os papéis podem ser afetados. Em 2002, os títulos do governo perderam valor a partir do receio dos investidores com a possibilidade de vitória da esquerda e uma renegociação forçada da dívida. Outro risco é o de mercado, ou seja, da flutuação dos preços dos ativos ou das taxas de juros. Ele varia de acordo com cada ativo, sendo maior para a chamada renda variável, como ações e dólar, do que para renda fixa. E o risco de liquidez, que é o de não se conseguir vender o ativo pelo seu preço justo no momento desejado. Ele é alto, por exemplo, para imóveis, ações de terceira linha ou papéis de prazo muito longo. A falta de liquidez também distorce os preços. Um nome conhecido pode ajudar a minimizar os riscos, mas não chega a eliminá-los. Os investidores em fundos dos bancos Boavista e Bank of America, por exemplo, foram compensados apenas em parte pelas perdas nas carteiras em que aplicaram. Marcia Dessen, da BankRisk, lembra que, ao comprar títulos públicos, CDBs, debêntures e até mesmo a poupança, o investidor corre o risco de crédito do emissor, ou seja, do governo, do banco ou da empresa. "O aplicador pode perder tudo e o engraçado é que as pessoas falam da renda fixa como instrumentos sem risco", diz. De acordo com a consultora, a chance de perda pode ser reduzida por meio de uma análise detalhada do histórico da empresa que emite o papel e também pela diversificação de credores. Já ao decidir investir em ações, o risco que corre o investidor é o de mercado, de oscilação dos papéis. Aplicar em ações, diz Marcia, é aportar capital em uma empresa. Dessa forma, cabe ao investidor que se transforma em sócio uma participação nos lucros e não a devolução de um valor emprestado. No caso dos fundos, a história é diferente. "O administrador presta um serviço, ele é pago para tomar decisões que o investidor sozinho não tomaria", diz. Por isso, os recursos da carteira não se confundem com o patrimônio do banco e os riscos variam de acordo com os ativos que compõem a carteira. "A diversificação é a vantagem do fundo com relação aos CDBs", diz Marcia. Mas, lembra, em caso de dificuldades, o investidor não recebe nada do FGC, justamente pelo fato de o fundo não representar um direito de crédito. Marcelo D'Agosto, sócio do site Fortuna, diz que virou "febre" falar em risco. "E, geralmente, o risco abrange uma linguagem incompreensível para a pessoa comum", afirma. Além do risco de crédito e de mercado, existe também o risco legal, que envolve uma operação que não foi bem estruturada ou foi estruturada sob garantidas contestáveis, lembra o especialista. Um dos recursos que os investidores podem usar para saber onde estão pisando com o seu dinheiro - ainda pouco usado no Brasil - são as classificações das agências de avaliação de risco, que atribuem notas à capacidade da pagamento de governos, instituições e mesmo fundos de investimento, diz o diretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil, Rafael Guedes. Na hora de avaliar as empresas de "asset management", há uma preocupação até com o recebimento e o valor de "presentinhos" dados aos gestores pelos vendedores de papéis. O executivo explica que as notas de gestoras são dadas após visitas às instituições e miram sempre o longo prazo, superior a cinco anos, podendo ser revisadas semanalmente. Em alguns casos, o rating pode estar vinculada à manutenção de um percentual de títulos públicos, ou uma limitação a emissores com determinadas notas, ou por tipos de emissor. Além disso, avalia-se a capacidade do gestor de proteger o investimento, mas, como cada fundo é uma pessoa jurídica diferente - semelhante a uma empresa -, é o rating específico do fundo que mede os riscos de o aplicador não receber de volta o investimento. Em alguns casos, resta ao investidor acompanhar o rating do controlador quando a empresa de gestão de recursos está ligada a um banco maior, por exemplo. "O que se olha é o quanto a gestora contribui com receita para o banco". Guedes lamenta que as administradoras de recursos de bancos brasileiros tenham ainda como prática a compra de altos percentuais de papéis de sua própria emissão. "Há caso de quem passe de 10% de sua carteira", diz lembrando que isso acontece com mais freqüência em bancos médios e pequenos. "Em alguns grandes, há regras que limitam a 5% das carteiras dos fundos nestes papéis", diz. O limite legal é de 20%, exagerado, na opinião dele. A Fitch parou de divulgar o rating do Banco Santos em fevereiro. A Austin Asis era a única empresa que fazia a classificação de risco do banco e da administradora de recursos - a Santos Asset Management (SAM), e já havia detectado um problema na empresa, que era a concentração de aplicações em papéis da própria instituição. Mesmo assim, a nota era "A", a sexta melhor da escala da Austin Asis. Segundo o sócio da Austin, Erivelto Rodrigues, a classificação traduzia principalmente a "boa qualidade na gestão da SAM". No entanto, era a pior nota entre as administradoras analisadas pela Austin. O principal foco de preocupação, segundo Rodrigues, era o fundo Credit Yield, cujo lastro são Cédulas de Crédito Bancário (CCB) do próprio banco. Um executivo que trabalhou na SAM e prefere não ser identificado lembra que existia uma campanha de venda de cotas do Credit Yield, até com premiação aos funcionários. O executivo afirma que a política de gestão da SAM estava muito ligada às próprias decisões do banco, ferindo o princípio de "Chinese Wall". Em agosto, a Austin colocou a nota do Banco Santos em perspectiva negativa. Mas a da asset, só entrou em revisão no sábado. A Standard and Poor's (S&P) fez rating do Banco Santos até fevereiro deste ano, quando suspendeu o trabalho a pedido da própria instituição. Em janeiro, a empresa rebaixou o banco de "B+" para "B" e os motivos atribuídos na época foram a piora na qualidade da carteira de empréstimos e lucros advindos de fatos extraordinários. Segundo Sérgio Garibian, diretor da área de fundos da S&P, o conteúdo da carteira é um dos pontos decisivos para a avaliação de um fundo, e a concentração de ativos do banco do mesmo grupo é algo conflitante e tem grande peso para limitar uma classificação melhor. Antes de aplicar em um fundo, ele recomenda que o investidor verifique o rating do produto e da asset, se houver. Deve pedir também o prospecto da aplicação e a abertura da carteira, para analisar o nível de concentração no mesmo ativo e emissor. Um projeto em estudo pela Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid) visa produzir estatísticas para avaliar se as gestoras estão se distanciando de suas políticas. O vice-presidente Marcelo Giufrida, no entanto, lembra que o papel de fiscalização é da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). "O objetivo da Anbid é evitar que o cliente seja induzido a tomar uma decisão de investimento incoerente, baseada numa rentabilidade maior associada ao risco de outra categoria", diz. A CVM montou um sistema semelhante de acompanhamento.