Título: Perda de capital com troca da dívida cambial alcança os 4% do PIB
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2006, Finanças, p. C1

Armadilha Com pesado custo fiscal, estratégia de intervenção do Banco Central está perto do limite

A decisão do Banco Central de trocar a dívida cambial por outra indexada à taxa Selic provocou uma perda de capital equivalente a 4% do PIB. Se, ao invés de mudar o indexador da dívida - da variação do dólar para o juro básico -, o BC tivesse optado por simplesmente rolar a dívida cambial, a dívida líquida como proporção do PIB teria caído no fim de 2005 para 47%. Por causa da troca, a relação se mantém perto de 51%. "A redução da exposição da dívida pública à taxa de câmbio era desejável e só poderia ter sido feita em momentos como os que ocorreram entre 2003 e 2005, quando os investidores tinham interesse na troca da dívida cambial pela dívida indexada à Selic, já que a expectativa era de valorização do real", diz a professora da FGV-SP Eliana Cardoso, autora dos cálculos. Para ela, não se pode negar que a decisão do BC teve um custo fiscal elevado. "Parte desse custo adveio da troca de uma dívida com taxa de juros mais baixa por outra com taxa de juros mais alta. A outra parte resultou de uma perda de capital que chega a 4% do PIB", explica Eliana. O procedimento para se obter o custo fiscal decorrente da perda de capital é o seguinte. Primeiro se calcula a redução da dívida líquida derivada da apreciação cambial (valorização do real) que de fato se observou entre 2003 e 2005. Esta redução foi de 3,84% do PIB. Depois se calcula a diminuição da dívida que poderia ter acontecido se a rolagem da dívida cambial tivesse sido feita integralmente. Essa diminuição teria sido de 7,92% do PIB. A diferença entre a redução obtida no caso hipotético de rolagem e no caso que de fato prevaleceu é 4% do PIB. Depois de ter alcançado o ápice de US$ 124 bilhões em 2003, o endividamento líquido em dólar do Brasil está hoje em US$ 14,5 bilhões. E será zerado em algumas semanas, já que o BC oferece ao mercado todos os dias cerca de US$ 400 milhões em contratos de swaps cambiais reversos. O BC decidiu trocar ou "hedgear" dívidas em dólar com custo anual em torno de 8% por outras em reais que custarão este ano cerca de 16%, o dobro daquelas. No caso não da troca de dívida mas de formação de reservas cambiais por meio da compra de dólares diretamente do mercado ou aquisições para liquidação de compromissos externos, o quadro não é menos alarmante. No ano passado, o BC comprou diretamente do "spot" cerca de US$ 21,5 bilhões. E, por intermédio do Banco do Brasil, o Tesouro Nacional adquiriu outros US$ 14 bilhões. Pelo dólar médio de R$ 2,25, as operações geraram dívida pública novíssima de R$ 79,88 bilhões, o equivalente a 4,17% do PIB (estimado para 2005 em R$ 1,914 trilhão). O custo ao ano desse endividamento novo rondará os R$ 12,78 bilhões. No caso das compras feitas pelo BC, destinadas às reservas, do custo anual deverá ser deduzido o ganho da aplicação das reservas, os 4,5% da Libor. Ou seja, o BC paga 16% (Selic média projetada para 2005) e recebe 4,5%. No caso das compras feitas pelo Tesouro, o governo está amortizando dívida com custo entre 7% e 8% por meio da tomada de dívida nova com custo de 16% ao ano. A iminente zeragem da dívida líquida em dólar torna insustentável a estratégia intervencionista do BC no médio prazo, mesmo que o governo venha a considerar suportáveis os impactos fiscais dela decorrentes. Para o economista-chefe do Banco Pátria, Luis Fernando Lopes, o BC pode continuar comprando dólar e vendendo swaps invertidos por mais dois ou três meses. Pode até assumir posição ativa em dólar, um caso inédito na história, a de um BC que fica "short" em sua própria moeda. Mas essa posição ativa, evidentemente destinada a pregar um susto nos investidores "vendidos" em dólar nos mercados futuros daqui e de fora, não pode durar muito. O próximo passo do BC será o de recomprar dívida externa em bônus, avaliada em US$ 7,2 bilhões. A eliminação do passivo cambial, ao invés de extinguir a necessidade de intervenções do BC, na verdade atua para aumentá-la. A zeragem melhora os "fundamentos" do Brasil e reduz a sua vulnerabilidade externa. Isso atrai ainda mais dólares especulativos. A forte apreciação cambial ocorrida no ano passado - o dólar acumulou queda de 12,40% - resultou de ingressos dólares "físicos" (exportações, captações e investimentos diretos) e sobretudo de dólares "virtuais", originados dos contratos de balcão no mercado de derivativos internacional. Os dólares "físicos" - mensuráveis pelo superávit da balança cambial - foram da ordem de US$ 18,82 bilhões. Os dólares "virtuais", que entram atrás da rentabilidade paga pela Selic, têm estoque avaliado em US$ 70 bilhões. Em 2005, a operação de venda de dólar e compra de reais pagou 19% relativos ao juro interno mais 12,40% em variação cambial - cerca de 32% nominais. Se os juros internos estivessem na mesma proporção das taxas externas ou perto do custo da dívida externa não haveria problema na formação de reservas ou na liquidação da dívida. No primeiro caso, a compra de dólares não teria impacto, pois o endividamento interno cresceria na mesma proporção das reservas, mantendo estável a relação dívida líquida/PIB. No segundo, a contratação de dívida interna nova para liquidação de endividamento externo seria nula se a taxa doméstica estivesse em 8%. No nível atual, a Selic distorce e inviabiliza a política do BC destinada a evitar a fortalecimento do real. Para o economista-sênior do banco WestLB, Adauto Lima, é incontroverso que os custos são muito elevados e insustentáveis. Mas entende que a margem de manobra do BC é muito limitada. Já que ele se encaminha no sentido de uma liberação maior do câmbio - a estrutura legal ainda favorece hoje mais o vendedor de moeda do que o comprador - , não deverá impor medidas restritivas à formação de posições "vendidas". "Com suas intervenções, o BC quer mostrar aos investidores que há, sim, risco no câmbio, que o dólar não cairá indefinidamente. Mas não pode fazer muito mais que isso", diz Lima. O economista-chefe do Banco Itaú, Tomás Málaga, diz que seria "questionável" se o BC fosse mais além em suas intervenções. Tanto a troca de dívida quanto a constituição de reservas estão no limite. Se após a zeragem do passivo cambial interno, o BC insistir nos swaps para se proteger do risco cambial externo, estará expondo o restante do país a um tremendo risco caso haja uma reviravolta no cenário internacional, que hoje conjuga ampla liquidez e baixa aversão ao risco. "A proteção do BC é feita às custas da desproteção do resto do país. E no fim o que conta é o Brasil inteiro", diz Málaga. Pelas suas contas, entre US$ 55 bilhões e 65 bilhões, as reservas já se localizam dentro de uma "zona de conforto" face a uma ampla gama de indicadores brasileiros. Mais do que isso, o custo se torna insuportável, dado o diferencial de juros praticados aqui e lá fora. Hoje as reservas já estão em US$ 55 bilhões. Há uma multiplicidade de juros quando a redução da dívida líquida externa, atualmente entre US$ 45 e 47 bilhões, resulta da formação de reservas caras. Pelos seus cálculos, o juro implícito ronda os 25%.