Título: FMI sugere a eliminação do crédito direcionado no país
Autor: José Roberto Campos
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2006, Finanças, p. C8

Debate Para Rato, é vital agir contra o "sistema dual" de financiamento

O Fundo Monetário Internacional considera que a eliminação gradual do crédito direcionado - o dinheiro obrigatório destinado a setores, como agricultura e habitação, e os empréstimos do BNDES - é uma das principais reformas que o Brasil deve atacar. Em encontros reservados ou públicos no país, Rodrigo de Rato, diretor-gerente do FMI, fez abertamente sugestões nesse sentido. "É uma tarefa imediata, que o governo deveria colocar no topo de sua lista de prioridades", disse Rato ontem em São Paulo, durante encontro com jornalistas. O diretor-gerente do FMI veio ao Brasil a convite do presidente Lula para comemorar o pagamento antecipado de US$ 15,5 bilhões que zeraram as dívidas do Brasil com o organismo. A desmontagem do crédito direcionado chegou a ser mencionada como um objetivo a ser perseguido pela equipe econômica em meados do ano. Sofreu uma saraivada de críticas vindas do próprio governo e voltou para a gaveta. Agora, é o número um do FMI que tenta suscitar a questão, certamente com idêntico destino. Como o Brasil não é mais devedor, nem tem programa em andamento com o Fundo, para o governo os conselhos de Rato têm a força prática de apenas um palpite de um "parceiro". É uma abordagem nova do Fundo sobre os problemas brasileiros. Ela nunca constou, nem mesmo como meta indicativa, dos memorandos de entendimento ou das revisões periódicas do último acordo do Brasil com o FMI. Para Rato, agir contra o que ele chama de "sistema dual" de financiamento vigente é vital, mesmo reconhecendo a enorme complexidade de execução e os grandes obstáculos políticos que se colocarão no caminho. "Não se fará isso do dia para a noite, nem sou eu quem vai dizer como deve ser feito", afirma. Rato demonstrou estar atento aos debates econômicos internos no governo brasileiro. Ele apoiou a meta superior de superávit, que tornou a Fazenda o alvo fácil da ira dos descontentes com a política econômica dentro do governo. E só tem elogios para a política do Banco Central. "Perseguir uma inflação de 4,5% não é um fator limitante do crescimento. Ter um sistema que aumenta o custo de transferência e distorce o sistema de alocação da poupança é", conclui. Segundo Rato, os males do crédito direcionado vão além do arrefecimento que ele provoca nos efeitos da política monetária, obrigando os juros a serem mais altos do que precisariam ser para se atingir determinada meta de inflação. "Muitos pagam mais para poucos pagarem menos", exemplifica, ao comparar os empréstimo do sistema financeiro, que seguem o norte da Selic, e os de linhas obrigatórias ou para investimentos. O sistema dual, diz ele, patrocina a escolha de setores e indústrias que se beneficiarão de menores taxas de juros com critérios que fogem às regras de mercado. Por isso, esse sistema vive sendo "redesenhado" ao longo dos anos, para incluir beneficiados, os "ganhadores". Para Rato, esse mecanismo desestimula a concorrência, desincentiva os bancos a emprestar e aumenta os custos de transação. A saída seria trazer o sistema financeiro para o jogo da oferta e da demanda, eliminando todos os obstáculos alocativos. "O nome do jogo é flexibilidade", diz Rato, parafraseando Alan Greenspan, presidente do Fed, o banco central americano. "Com um sistema desses, é como se o Brasil estivesse competindo em uma luta com uma mão atada às costas". O diretor-gerente do FMI apóia com todas letras a política ortodoxa do Banco Central. Para ele, não é a política monetária que está travando a expansão da economia. "Ter 4,5% de inflação é muito bom, sob quaisquer circunstâncias", comenta. Ele acredita que já há uma boa margem para a redução dos juros. "E, como o país não tem problemas de arrecadação, juros menores abrirão fantásticas possibilidades adicionais de investimentos públicos na infra-estrutura e nas políticas sociais", assinala. De quebra, dará um estímulo necessário à concorrência no sistema bancário, hoje amortecida pela facilidade em obter ganhos com a alta taxa de juros. "Com o Tesouro pagando 18% ao ano, não há incentivo para se buscar clientes. É uma taxa tão grande que os bancos não precisam fazer nada para ganhar dinheiro", brinca.